quarta-feira, 27 de maio de 2015

A última vez que vi você

Amanhã faz um ano desde a última vez que eu vi o meu melhor amigo. E eu sei que deveria ter vergonha de dizer que fiquei os últimos 3 meses de vida dele sem trocar olhares com ele, por culpa inteiramente minha, visto que ele vinha se esforçando sempre pra me encontrar, pra se reaproximar (não vou nem comentar do peso de saber que a última vez que nos falamos foi por telefone e eu estava com pressa de desligar porque estava de saída). Naquela tarde fria de maio - na cidade em que a gente passou grande parte dos melhores momentos da nossa adolescência, a gente falou de como era estranho sentir frio aqui, visto que nascemos e nos criamos em uma cidade serrana onde 20º era tempo pra pegarmos uma cachoeira - ele chegou aqui em casa enquanto eu estava no banho e eu o fiz esperar alguns minutos no portão e depois no sofá conversando com minha mãe. Quando fiquei pronta, ela foi pro quarto dela e nos deixou na sala conversando - e brigando, como desde que nos conhecemos, sobre quem tá na vez de fazer carinho e quem tá na vez de receber, aonde eu sempre saía em desvantagem e passava horas coçando as costas dele, diga-se de passagem lado à lado, rindo do mundo.
Eu gostaria de ter te contado algumas coisas -escrevo isso e choro - mas não contei, porque a gente sempre acha que vai ter uma próxima vez pra contar, sempre espera uma oportunidade adequada pra dizer tudo o que gostaria.
O dia de te contar nunca chegou, o da sua morte sim, e foi breve.
Naquele dia, muito precocemente, eu descobri que estava apaixonada, assunto que eu evitava e não gostaria de contar à ninguém e fiquei prestes a te dizer muitas vezes o quanto era patético não saber o que fazer com as borboletas no estômago aos 24 anos. Eu queria ter te contado que tava em crise com meu estágio e tava morrendo de medo de não ter nascido pra única coisa que eu achava que eu sabia fazer, e que eu pensava todos os dias se ganhar dinheiro era mesmo necessário - assunto que você e eu poderíamos perder horas mais uma vez, agora com um pouco mais de maturidade e sabendo o que o dinheiro pode comprar. Eu queria te contar que eu planejava me formar, entregar o diploma à minha mãe - que merece ter uma filha formada - e sumir no mundo pra alguma aldeia hippie e te perguntar se você ainda acreditava que dava pra viver de mato e amor. Eu queria te dizer que não importa o quanto você estivesse careca e balofo, você ainda era o cara mais bonito que eu já vi na vida, que você me ensinou que não tem defeitos físicos quando a gente tinha 13 anos e eu não tinha argumentos pra te zuar e eu de fato acreditei nisso. Eu queria ter te dito que você me ensinou a amar, a ler os livros certos, a ouvir música boa, a acreditar na paz do rio e na certeza das montanhas. E combinar de você me levar pra subir a pedra rabiscada - que você jura desde os 15 anos que vai me levar quando souber que eu vou subir sem despencar lá de cima ou querer desistir e dormir no meio do caminho. Eu queria ter te dito o quanto eu tava magoada com minha atual situação de moradia e ouvir você me contar como foi quando você passou por esse processo e qual a melhor maneira de passar por ele.
Eu queria ter te ouvido dizer que acredita em mim e que a gente vai sempre estar juntos de alguma forma.
Eu não disse.
Nessa tarde, faz um ano, meu rosto tinha paralisado devido à quantidade de estresse que eu estava passando e eu tinha pressa de chegar ao pronto socorro. E eu tinha pressa também de ir pra faculdade assistir aula. E de ir pra um evento que mudou a história da UFF. E de fazer outras mil coisas muito menos importantes do que estar com você, sem contar a hora, sentado no sofá da sala como sempre foi. Poderia ter sido em frente ao mar, molhando só os pés sentados numa pedra numa cachoeira, deitados no pátio da escola, naquele banco de cimento - que nem é banco - da faculdade.
Eu gostaria de não ter tido pressa, de ter me embebedado da sua presença e do seu abraço, de ter sentido aquele cafuné como se fosse o que ele era: o último.
Não consigo terminar esse texto porque as lágrimas não deixam, mas também porque não existem palavras que caibam tudo que a gente poderia ter conversado, tudo pelo que eu gostaria de te agradecer.
Dentro de todos os nosso erros, além de todos os nosso acertos, você foi o melhor amigo que qualquer mulher poderia ter. E atualmente eu só espero que você tenha ido pro "primeiro mundo" sabendo disso.

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