domingo, 28 de fevereiro de 2016

Hoje a coragem bateu na minha porta e fui ver sua mãe.

Quarta, 17 de setembro de 2014.
Eu havia chegado na casa da minha ex há alguns minutos. Sentada na cama, resolvi ligar a internet que vivia desligada nos últimos tempos. No grupo da nossa turma haviam mais mensagens do que nunca. Eu li "Mateus sofreu um acidente" e parei de ouvir tudo ao redor. Fiquei surda, cega, perdi a memória. Precisava colocar crédito no meu celular pra ligar pros nossos amigos pra confirmar o que tava acontecendo, mas não lembrava meus dados bancários - que eu nunca esqueço. Precisava ligar proa meus pais, mas tinha esquecido o telefone deles. Reescrevendo agora, sinto a mesma sensação de sair do corpo daquele dia. Eu não conseguia me mover e as únicas coisas que saíam de mim eram lágrimas incontroláveis.
No dia seguinte vim pra Friburgo com o discurso de que acalmaria nossos amigos e sua família. Eu não fazia ideia de que quem teria que ser acalmada seria eu. Naquele dia e em todos os outros que se seguiram de lá pra cá.

Domingo, 28 de fevereiro de 2016.
Mais de um ano e cinco meses depois eu consegui visitar sua mãe. Fui chorando o caminho inteiro, suando frio. Entrar na rua da sua casa sem estar acompanhada de você ou sem o intuito de te encontrar estraçalhou o resto da postura de sobrevivente que eu tento manter todos os dias. Cheguei no portão e abracei sua mãe, as duas chorando, as duas procurando um pedaço de você dentro daquele abraço. Tirei a sandália pra entrar na sua casa e sua mãe riu, dizendo que não precisava (Sabia que desde que você se foi todo mundo anda com sapato da rua lá dentro?) e foi inevitável não te procurar no banheiro, na sala, na cozinha, no seu quarto. Sua mãe e eu sentadas no sofá da sala da sua casa me deu a certeza que eu nunca tinha tido antes (à despeito de parecer óbvio): você nunca vai voltar. Ela me disse que ficou esperando você voltar por muito tempo, sentada ali naquele mesmo sofá. E eu confesso que eu também fiquei. A gente refez nosso caminho separadas e tentamos nos conformar com a sua partida. Ela com a fé e eu, com a teoria da liesel meminger. Contei pra ela do quanto é difícil amar a vida longe de você, do quanto eu sinto sua falta e ouço seus conselhos dentro da minha cabeça. Contei que eu também sentia sua falta todos os dias e, como você pediu, a lembrei da ótima mãe que ela sempre foi.  E então a gente entrou no seu quarto. Não tinha mais nenhuma foto sua (e é muito estranho entrar num ambiente que você fez parte sem encontrar fotografias e textos), não tinha seu edredon sob a cama, não tinha seu cheiro. Ela me pediu pra escolher qualquer coisa sua pra levar de presente. Eu me presenteei com aqueles dois livros que eu te aviso que vou roubar desde que você comprou. Minha vontade é de sentar no chão e abraçar as pernas e não sair até você parar com essa babaquice de ter ido embora. Então eu te ouvi me dizendo que está comigo aonde quer que eu esteja e que você não gostaria de passar o resto dos meus dias no seu quarto desarrumado. Voltamos pra sala, entre confissões e lágrimas que não cessavam. Então, quando eu anunciei que precisava ir, ela me disse que tinha uma coisa pra mim, como você me avisou. Foi no quarto dela e voltou com seu cordão. O cordão que você usou por tantos anos, o cordão que você usava quando deixou esse mundo. "Eu tava guardando esse cordão pro meu neto, mas você ama tanto meu filho que precisa ter algo dele com você". Agora eu tenho o você pendurado no meu pescoço. E a certeza que você nunca vai voltar. Porque você nunca foi embora.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Eu sobrevivo

"Eu sobrevivo, eu sobrevivo" repito baixinho agarrada às minhas pernas no chão do banheiro. Você não está aqui pra me ver nessa cena tão comum e tão patética. Nem você nem ninguém. Desde que você se foi, os olhares do mundo retiraram-se de mim junto com a sua vida neste planeta.
De lá pra cá me pergunto o que de fato é viver, existir, morrer. Pergunto-me o que é estar vivo, aprendi sobre a importância do corpo, confirmei o Universo em cada ser. Mas você não está aqui pra me ouvir. Você não está pra saber que faz quase um ano que acordo com o coração doendo e não sei o motivo. Você não tá pra ler minha monografia e me dizer que não importa se ninguém liga: nós dois vamos beber e ir na cachoeira e beber na cachoeira fazendo retrospectiva dos últimos seis anos até que eu não aguentasse mais ouvir falar o nome UFF. Você não tá aqui pra me dizer que eu não preciso ter medo, as coisas vão rolar, o acaso é enorme como o mundo e nele há mil possibilidades. Você não tá aqui pra ver essa chuva caindo lá fora comigo e ver a chuva caindo lá fora nunca mais fez sentido. Você não tá aqui repetindo que eu sou a melhor companhia do mundo e se alguém no mundo não enxerga isso, não tem problemas.
"Nada está tão sujo que não possa ser limpo" ouço sua voz dentro da minha cabeça. "Amor são laços de alma e por isso é tão difícil esquecer alguém" ouço sua voz dentro do meu coração. Então largo o computador e me abraço, na esperança de sentir de novo o que o seu abraço provocava em mim. Sorrio, lembrando da minha mãe sempre comentando que a gente se abraçava por tempo demais, que era constrangedor, você se lembra? A gente podia ter se visto a vinte minutos atrás, quando a gente se encontrava eram minutos incontáveis se abraçando, onde fosse, na frente de quem fosse, o seu abraço era o melhor lugar que existia. Mas ele não existe mais.

Será que em algum lugar, você ainda existe?
Outro dia eu percebi que não tenho mais medo de amar viver. Desde que você se foi eu criei esse medo, você era a pessoa que mais amava viver que eu já vi e a morte te pegou tão distraído. Comecei a pensar que, talvez se eu estivesse atenta, a morte não me surpreendesse, mas eu a surpreendesse, tipo a Liesel Meminger "Um olho aberto e outro no sonho, seria melhor um sonho inteiro, mas definitivamente não tenho controle sobre isto". Mas então eu percebi que, se você não se distrai, a vida deixa um pouco de valer a pena, o que a gente vive tão travado, sem relaxar? O que a gente vive se só pensa sobre a possibilidade de morrer 24 horas por dia? Então eu me entreguei. Entreguei-me novamente pra vida na esperança de que a morte me poupe até eu ter certeza que, quando eu chegar do outro lado, quando for a minha vez de atravessar esse portal do invisível, eu seja recebida pelo seu abraço, o mais demorado deles, e que quem sabe, até lá, eu tenha encontrado a felicidade por aqui (aquela almejada e não aquela idealizada) e parado de chorar sozinha no banheiro abraçando as próprias pernas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Na parede, pixei "escrever é mergulhar no oceano que se é".
Era 2011.
Eu não fazia ideia da dimensão do oceano.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

desejo=falta=desejo
desejo=potência=motor
desejo=vontade de potência
Você só entende quando vive.
Você só vive quando entende.
E às vezes entender é tarde.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Pânico

Eu passei muito tempo fugindo e condenando sem saber ao certo o que. Eu passei tanto tempo enclausurada dentro da ideia de impotência que sempre me despertava.
Eles diziam que eu nunca teria cura.
Eles diziam que eu nunca poderia viver sem remédio.
Eles diziam que eu nunca poderia estar no meio da multidão.
Eles diziam que eu nunca poderia estar sozinha.
Eles diziam que eu nunca poderia estar num lugar com o som alto demais.
Eles diziam que eu nunca ficaria bem no meio de desconhecidos.

Eu irradio todas as cores na cara deles. Eu danço sozinha no meio da multidão sem medo de me perder. Eu tenho à mim e eu danço em nome da liberdade de ser que ficou no lugar do medo.
O carnaval aumenta, a síndrome do pânico diminuiu. Eu não lembro a última vez que tive tanto orgulho de mim.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Ainda sem saber se a madrugada de segunda feira aconteceu.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Autópsia

Você me mandou embora e eu fui, sem olhar pra trás, obrigando-me a ver apenas a parte ruim de tudo pra ter força pra não querer voltar. Eu fui embora e vi o mundo, eu fui embora e olhei pra mim. Tinha tempo que eu não me olhava - na verdade não sei se já tinha feito isso - mas, de alguma forma, saber que você não cuidaria mais de mim me obrigou a me cuidar, entender os meus próprios processos; me ensinou a começar a me amar de uma forma que eu jamais experimentara.

Outro dia eu voltei. Voltei porque, olhando pra tudo que eu tinha agora, não conseguia mais me apegar à motivos que não me fizessem querer regressar. Voltei porque vi a sua janela aberta e senti tanta saudade que não entendi porque não estávamos dividindo o sofá.
Olhei pra dentro de mim e todas as cicatrizes ainda doíam, elas estão aqui pra me lembrar, muito mais sobre coisas sobre mim do que sobre você.





Agora estou aqui, na sua porta. Ela está entre-aberta, eu não sei o que tem dentro, eu não sei se quero entrar, eu não sei se você quer que eu entre. Mas eu estou aqui, parada na sua porta como eu jamais imaginei estar novamente. Eu queria te dizer um milhão de coisas e te abraçar daquele jeito que eu só abraço quando são seus braços que eu encontro. Mas eu estou paralisada. Ainda não sei se te aviso que to aqui de volta, ou se dou meia volta pra não mais voltar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Análise

Parei pra dar uma olhadinha aqui: eu não odeio mais os homens.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Re-delimitando o próprio corpo (parte 1)

"Você continua buscando estupros" ela me disse, assim, entre uma frase e outra da história que eu contava sem me dar chance de respirar. Eu olhei com aquela cara de "Quê que você ta falando aí?", que ela já conhece bem.
Três vezes por mês nos encontramos em uma sala diferente. Eu e meu sol em capricónio já decidimos que cada sala é pra uma situação especial ("toda vez que eu chego aqui chorando a gente vem pra essa sala", "toda vez que a gente tá nessa sala você me elogia","e vamos nós pra salinha da crise existencial"), de modo que eu não esperava que ela fosse soltar uma coisa dessas na "sala da maturidade".
Então ela me olhou com aquela feição de quem sabe que vai me ver chorar o resto da sessão. E eu não me incomodo mais de chorar na frente dela, já que só na frente dela eu não sinto culpa e necessidade de consolar alguém que está comovida com a minha dor. Essa frase que eu vivo repetindo de "a gente precisa aprender a suportar o sofrimento e o choro do outro", eu aprendi com aquele olhar.
"Eu discordo de todos os seus amigos, pela primeira vez nas histórias que você me conta. Eu acho ótimo que você esteja preservando esse corpo tão violentado, tão maltratado, pela primeira vez. Eu acho ótimo que você não esteja usando seu corpo pra se castigar de algo que você não tem culpa, que não esteja se colocando em situação de risco. Quando você me diz que precisa fazer o contrário disso pra provar sei lá o que pra sei lá quem, eu só consigo pensar que você continua sim,como eu disse, buscando estupros". "A gente já conversou sobre essa frase e do quanto eu acho que ela tá cheia de culpabilização da vítima". "Sim, e a gente concordou que você se coloca em situação de risco quando tá com raiva de você ao invés de se enfrentar". "Não sei fazer o contrário, é muito mais fácil me castigar". "Ou era, até você se dar conta do que os castigos provocam em você, na bola de neve que vira, olha como você tá, sem conseguir controlar nada. Logo você, louca por controle". "Às vezes eu não gosto muito de você. Risos. Brincadeira! Mas às vezes você pega pesado comigo". "Tem certeza que sou eu que pego pesado com você?"

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

a ex do meu ex

Ela é linda, estilosa e tem um cabelo impecável, mas todo mundo me diz que eu tenho que achá-la feia.
Ela é comprometida, inteligente, uma das pessoas mais espertas que conheço, mas todo mundo tentou me convencer que ela não tem nada a oferecer.
Ela sempre tem um bom conselho, os ouvidos sempre chamam meus traumas contidos, o ombro dela é um lugar mega confortável, mas todo mundo gritou que eu jamais deveria confiar nela.
Hoje, 6 (ou 7?) anos e um feminismo depois, eu só tenho a agradecer. Agradecer por alguém que é tão diferente, mas também um espelho. Por alguém que tá sempre pronta pra me defender e que me faz sentir menos sozinha (tanto no mundo quanto nas ideias) mesmo quando não está fisicamente do meu lado. Agradecer por alguém que topa minhas loucuras, que dá trela pros meus devaneios, que se divide comigo sem medo. Agradecer porque não é todo dia que alguém que deveria te odiar se torna uma amiga. E que não é todo dia que a gente pode chamar de amiga alguém que o tempo cronológico (aff) diz que tá cedo demais. Agradecer.