"Você continua buscando estupros" ela me disse, assim, entre uma frase e outra da história que eu contava sem me dar chance de respirar. Eu olhei com aquela cara de "Quê que você ta falando aí?", que ela já conhece bem.
Três vezes por mês nos encontramos em uma sala diferente. Eu e meu sol em capricónio já decidimos que cada sala é pra uma situação especial ("toda vez que eu chego aqui chorando a gente vem pra essa sala", "toda vez que a gente tá nessa sala você me elogia","e vamos nós pra salinha da crise existencial"), de modo que eu não esperava que ela fosse soltar uma coisa dessas na "sala da maturidade".
Então ela me olhou com aquela feição de quem sabe que vai me ver chorar o resto da sessão. E eu não me incomodo mais de chorar na frente dela, já que só na frente dela eu não sinto culpa e necessidade de consolar alguém que está comovida com a minha dor. Essa frase que eu vivo repetindo de "a gente precisa aprender a suportar o sofrimento e o choro do outro", eu aprendi com aquele olhar.
"Eu discordo de todos os seus amigos, pela primeira vez nas histórias que você me conta. Eu acho ótimo que você esteja preservando esse corpo tão violentado, tão maltratado, pela primeira vez. Eu acho ótimo que você não esteja usando seu corpo pra se castigar de algo que você não tem culpa, que não esteja se colocando em situação de risco. Quando você me diz que precisa fazer o contrário disso pra provar sei lá o que pra sei lá quem, eu só consigo pensar que você continua sim,como eu disse, buscando estupros". "A gente já conversou sobre essa frase e do quanto eu acho que ela tá cheia de culpabilização da vítima". "Sim, e a gente concordou que você se coloca em situação de risco quando tá com raiva de você ao invés de se enfrentar". "Não sei fazer o contrário, é muito mais fácil me castigar". "Ou era, até você se dar conta do que os castigos provocam em você, na bola de neve que vira, olha como você tá, sem conseguir controlar nada. Logo você, louca por controle". "Às vezes eu não gosto muito de você. Risos. Brincadeira! Mas às vezes você pega pesado comigo". "Tem certeza que sou eu que pego pesado com você?"
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
Re-delimitando o próprio corpo (parte 1)
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