segunda-feira, 13 de julho de 2015

...

Dezembro de 2009, se eu me concentrar, consigo lembrar o cheiro do anfiteatro da faculdade, consigo reler o bilhete que havia escrito pra você pra simbolizar o nosso fim, consigo sentir de novo a inocência que eu tinha de mundo e de você. Após um semestre nos descobrindo, um mês de beijos que tentávamos impedir, uma tarde inteira na sua casa tentando controlar os nossos desejos e instintos. Eu consigo te ouvir ainda dizendo que queria ficar comigo, que um dia poderia me explicar porque estava fazendo aquilo, porque estava me expulsando da sua vida daquela forma, por hora eu só precisava saber que você achava que o mundo que eu tinha era bom demais pra mim e que nunca seria capaz de me dar nada parecido com aquilo. Eu te disse que estava cansada daquele mundo de fantasia que eu tinha construído à minha volta, eu te disse que eu queria o mundo real que você me apresentava, que eu queria mais das noites que a gente virava contando as estrelas discutindo filosofia e modos diferentes de sociedade. Você não me ouviu e eu fui embora dali com o coração sangrando, sempre pensando no dia em que te encontraria novamente. Então veio aquela viagem de 10 dias pro sul do país. Só você, eu e o mundo inteiro, como eu almejei tanto. Só você, eu e "um outro mundo acontecendo". Só você, eu e todo tempo e cuidado que você dedicou à mim, toda a paciência com as minhas crises, com as minhas dúvidas, com as minhas indecisões, com quem eu era. Você me ajudou a ver, lembra? Você me disse que que era muito maior do que estava me permitindo enxergar de mim mesma e então eu sinto que desabrochei. De lá pra cá você sempre esteve comigo, talvez de um modo abusivo, como vejo agora, talvez me ensinando a caminhar, como eu via na época. Era pra você que eu ligava no meio da madrugada quando meus pensamentos não me deixavam dormir e aparecia no meio da noite na minha casa pra me acalmar deitados na grama do jardim, era você que topava gastar $200 de táxi pra casa porque eu tinha medo de andar de ônibus em outro estado, foi você que chorou deitado em cima de mim quando achou que eu estava grávida de um cara que eu não gostava e não gostava de mim dizendo que eu tava estragando a sua vida também porque você me amava e amava muito e me odiava muito também por ta passando por aquilo, foi você que me ouviu chorar por meses seguidos quando fui rejeitada, você que comemorou comigo quando eu me libertei do medo, você que me abraçou e fez toda dor passar, toda dor sumir, que me levou pra minha casa e me deitou na minha cama quando eu tava bêbada demais pra ter domínio do meu corpo dizendo que qualquer coisa que eu precisasse estaria na varanda, era só eu gritar. Foi você que me disse pra parar de chorar pelas pessoas que estavam undo embora da minha vida, porque as pessoas vão embora mesmo e a gente deveria aproveitá-las enquanto elas estão aqui e não chorar porque acabou e, mais que isso, que a gente deveria ficar feliz quando quem vai embora está nos fazendo mal. Você cuidou de todas as minhas dores, você transformou todas as minhas feridas em cicatrizes e tava lá quando decretamos um dia pra nossa amizade e tava lá quando plantamos uma árvore pra simbolizar isso e estava lá pra rir da minha cara e pedir de uma vez por todas pra eu parar de inventar histórias dentro da minha cabeça e acreditar nelas porque um dia isso ia acabar afastando irremediavelmente de mim alguém que eu amasse muito. Você me emprestou o primeiro livro de filosofia que eu li, montou comigo o primeiro movimento estudantil da faculdade, me ensinou que socialismo é não se deixar levar pelo partido socialista. Você não saiu do meu lado nunca, você estava lá todas as vezes que eu não aguentava mais estar no meu corpo, Você, ah, você era diferente, você estaria comigo do começo ao fim, desses fins que não tem hora pra acabar.
Outubro de 2014, aproximadamente 3h da manhã, bêbados, caindo pela rua, conseguimos uma carona pra sua casa. Nos drogamos ainda mais quando chegamos nela, você arrumou um colchão pra gente na sala, a gente resolveu transar pelos velhos tempos, assim, sem saber muito bem o que a gente tava fazendo. Outubro de 2014 aproximadamente 3:40h da manhã, você me invadiu sem meu consentimento, uma, duas, três, quatros vezes. Eu não estava acordada, eu não estava dominando meu corpo, eu não estava em mim. Eu queria ter pedido pra sair dali, eu queria ter conseguido levantar e sair correndo dali. Meus sentidos não respondiam, meu corpo não reunia forças pra levantar, minha voz não gritava, por um momento eu senti o que era morrer, por um momento eu quis morrer e eu fingi estar morta naquela noite e tantos meses depois, pra não ter que lidar com a culpa de não ter levantado e saído correndo, com a culpa de ter bebido demais e meu corpo não ter respondido. Eu desejei ter morrido (e ainda desejo) pra não ter que lidar com a culpa de ter confiado em você. Como a pessoa que sempre me protegeu até de mim estava agora, em cima de mim, me fazendo vivenciar o meu pior pesadelo, aquele que eu sempre te disse que preferia morrer à presenciar. Como a pessoa que sempre me protegeu até de mim foi capaz de me violentar dessa forma. Como a pessoa que estuda junto comigo as consequências que um abuso pode ter numa pessoa, pode simplesmente não se importar com todos os surtos que acarretaria uma noite de prazer chulo. Como você pode ter me destruído sem ao menos pensar no que estava fazendo? Eu surtei, sabe. Eu não sou mais eu a nem sei quanto tempo. Desde que percebi o que você fez eu não durmo, eu não como, eu só abro a boca pra ferir todas as pessoas a minha volta que ainda me amam, porque o ensinamento final que você deixou em mim é que se eu amar e confiar em alguém cegamente, como fiz com você, essa pessoa vai me machucar, me enganar, me virar as costas, não se importar, essa pessoa vai desistir de mim, como você sempre disse "ninguém além de mim vai aguentar suas crises e chatices, desiste de procurar". Você me deixou mais sozinha do que eu sempre me senti. Sabe por que? Eu já estava acostumada a ninguém resistir ao meu lado, eu já estava acostumada a não ter ninguém, mas agora nem eu to aqui pra mim, nem eu to do meu lado, nem eu me defendo. Você conseguiu virar até eu contra mim mesma. E eu te odeio tanto, eu te odeio tanto, que a única coisa que eu posso fazer com esse ódio, com essa dor que você me causou, é reencontrar comigo mesma, é transformar em amor. 


A minha vingança é ser feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário