"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos".
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
Toda vez que dói eu grito. (Não sei com funciona esse maldito condicionamento de associar o grito à resolução da dor). Hoje lateja e eu silencio. Olho pra dentro, pro fogo destruindo tudo em mim calada. A fumaça do incêndio prejudica minha respiração, meu corpo já começa a virar carvão de dentro pra fora como numa miragem: eu não me movo. Estou assistindo a destruição em silêncio.
No fim o silêncio foi tudo que restou.
sábado, 26 de dezembro de 2015
É a primeira vez que escrevo
2015 foi o ano que descobri ter sido violada sexualmente por pessoas que deveriam me proteger, antes de completar 3 ano de idade.
Isso é tudo que eu consigo pronunciar, por enquanto.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
Repetições 2
Repetições
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
Primeiro dia 21.
Eu chego na cidade e sinto o cheiro do pneu da sua moto no asfalto misturado com o perfume que saía do seu perfume. Vejo a gente na fila do sorvete do mac Donalds, em frente ao apt da sua amiga, na loja de morango com chocolate, na casa da minha tia. Eu vejo você em mim, no meu corpo, na falta, na saudade, no espaço em branco dentro do meu peito. Eu vejo você em tudo que falta e na exaustão de nós q tanto procurávamos. Eu vejo você e cadê.
domingo, 20 de dezembro de 2015
Mateus
(Você me ensinou a viver).
Quando você morreu.
Você me ensinou que eu posso (sobre)viver no escuro, no limbo, sozinha, sem ninguém. Você me ensinou que eu posso viver com a solidão, com o abandono, com o desamparo. Que eu posso continuar vivendo mesmo sem certeza alguma, sem lugar pra voltar. Mesmo que eu não suporte estar em nenhum lugar ao muito tempo por medo de amar o lugar e as pessoas como eu te amei (amo) e tudo simplesmente acabar enquanto eu to distraída numa lanchonete ajudando alguém a comprar uma passagem de ônibus pelo celular.
Eu aprendi a viver sem você e agora me sinto apta a viver sem qualquer coisa. Eu vou sobreviver, eu vou continuar vivendo.
Obrigada por mais um ensinamento, meu melhor amigo.
Sinto sua falta. Todos os dias.
sábado, 19 de dezembro de 2015
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
domingo, 13 de dezembro de 2015
Mateus
Você bem sabe que nunca me permiti não gostar de ninguém, tampouco sentir ódio. Lembro de você me dizendo que as pessoas tinham sido babacas comigo e eu te dizendo "ódio só faz mal pra quem sente". Você ficava inconformado porque achava que eu queria sempre ser a bozinha, eu ria, eu sempre ria de tudo quando eu tava com você.
Eu não sei o que aconteceu nessa última semana, não sei explicar. Eu simplesmente comecei a sentir muito ódio, de tudo, de todo mundo. Inclusive de quem não tem nada a ver com isso. E aí eu comecei a odiar você também, chorar de tanto ódio, me desculpa.
Foda-se o quanto isso é infantil: você não tinha o direito de ter me deixado, não tinha!
Lembro da gente combinar de nos casar aos 40 por sabermos que não aguentaríamos ninguém tanto tempo - ou ninguém nos aguentaria - e viajar o mundo com uma barraca nas costas porque a gente decidiu que essa era a melhor idade pra isso. Lembro daquela sala do grêmio da escola depois da festa junina, você bêbado dizendo que eu era seu ar, seu alimento, seu chão e que a gente só precisava um do outro pra existir. Lembro de você me dizer que nunca me deixaria sozinha, que eu nunca sentiria solidão. Que você sempre me amaria do jeito que eu sou, por mais chata que eu fosse e que isso era eterno. E olha em volta agora! Olha em volta!
Tem um buraco em mim desde que você morreu naquele maldito acidente. E eu te odeio por não ter se atrasado cinco minutos pra olhar a paisagem e evitado ele. Eu te odeio por não ter me dito que tava aqui pra eu te ver uma última vez. Eu te odeio por nunca poder me despedir de você.
Eu te odeio porque é dezembro. De novo é dezembro e me fala que porra eu faço da minha vida se você não tá aqui. Me diz como posso planejar um ano novo, mais uma vez, que não tenha você. Como eu posso imaginar aniversário ano que vem. Me diz por que você não tá aqui, quem te deu esse direito?
Por que você me fez acreditar que eu poderia ser quem eu quisesse, que você aguentaria o tranco, se você vai embora e me deixa aqui sendo mimada insuportável sem ninguém pra fazer todas as vontades que só você fazia. Só-vo-cê-fa-zi-a.
É domingo, eu saí do trabalho e sentei na praia pra ver o pôr do sol e tomar um cerveja. EU vim pedalando pra casa com um buraco enorme no peito. Quando me olhei no espelho, já pronta pra tomar banho, eu só consegui ver um buraco enorme dentro dos meus olhos, uma saudade tão grande, um aglomerado de coisas que só seu abraço entenderia, uma vontade incontrolável de te ligar e te contar tudo, como eu fazia quando me mudei pra cá e você ainda não tinha vindo e eu ficava horas gastando todo meu crédito sentada no anfiteatro da faculdade te contando tudo sobre todo mundo e de como ninguém chegava nem perto de você.
Eu não acredito que você foi embora. Faz mais de um ano e eu não acredito.
Eu sonhei a noite inteira com você e parecia que você tava do meu lado, eu tinha certeza que eu ia acordar, te contar meu sonho, rir da sua cara e te abraçar de conchinha pra dormir só mais cinco minutinhos.
Eu não consigo não odiar você, eu não consigo.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
O que aprendi com Jessica Jones
Jessica Jones é uma investigadora, que, após um acidente que matou sua família, tem dificuldade de confiar nas pessoas. Além disso, após o acidente, ela adquiriu os super poderes (que só no final da série é mostrado que graças à um laboratório de testes em humanos): de saltar tão alto e com tanta distância que parece poder voar e uma força descomunal. Jessica Jones, foi adotada por uma moça que abusava física e psicologicamente da filha e ela se sente na obrigação de protegê-la da mãe, talvez Trish, sua irmã adotiva, seja a única pessoa que Jessica de fato ame durante a vida.
Já na idade adulta, Jessica é dominada por um homem que tem o super poder (também modificado a partir de uma testagem em humanos, mas dessa vez por seus pais) de controlar as pessoas. Simples assim, ele fala e a pessoa faz o que ele quiser, qualquer coisa, inclusive cometer homicídio ou suicídio. A trama se dá na tentativa de deter este homem, Kilvagre, visto que Jessica é a única que consegue se livrar da sua dominação de vontade, após matar uma mulher por ordem do mesmo.
Ok, Marvel é boa em produção de série de super heróis (é o que dizem, não sou ligada à isso) e já era de se esperar que a série seria boa. Entretanto, há algo além.
Só quem já viveu um relacionamento abusivo sabe o que é perder a autonomia à ponto de parecer ter sido dominado Kilvagre: você faz e fala coisas que não tem vontade de falar e fazer, você simplesmente faz, à despeito de ter uma voz no fundo da sua cabeça dizendo que você não deve ou não precisa fazer aquilo. Você tem medo, você tem medo 24 horas por dia: do outro, do mundo, de você. E o medo, acredite, faz você não pensar, faz com que você tenha atitudes que você precisa se desculpar pelo resto da vida. Só quem já viveu um relacionamento abusivo sabe o que é ser violentada, sabe o que é não ter mais vontade de fazer sexo e achar que há um problema com você. Sabe o que é não poder se vestir como deseja, se portar como deseja, ir onde deseja e, pra mim uma das piores partes, não falar o que deseja. Quando alguém controla o que você fala, te faz ter medo da fala, quando alguém controla a sua voz, ele te controla completamente. Só quem já viveu um relacionamento abusivo sabe o que é as outras pessoas em volta terem pena do abusador, o acharem uma pessoa bacana, não entenderem o porquê de você tê-lo deixado, ouvir a história absurda e chantagista dele e achar que a culpa dela é sua. Só quem já viveu um relacionamento abusivo sabe o que é, mesmo quando ele acaba, sentir medo de se expressar, de se portar, de se impôr. De frequentar alguns lugares, de vestir determinadas roupas, de existir. Sabe o que é ser apagada, sabe o que é ser silenciada.
O super poder daquele homem no seriado, pra mim, é o poder de se aproveitar do amor e da confiança de uma relação. É a justificativa de “eu te amo, me perdoe” “estou agindo assim porque eu te amo e você não pode me deixar”. O super poder dele é o de destruir, de mutilar, de explodir tudo que Jessica acha que poder ser.
Mas aí, sabe o que, de mais importante, eu aprendi com Jessica Jones? Quando você perde o medo, o seu abusador some. Quando ela perde o medo dele, ele começa a fugir dela e tentar chantageá-la de mil formas, sem sucesso algum. Ela não cede, ela não ouve. Quando ela entende que não é ele que manda, ela começa a voltar a conseguir mandar em si mesma. E destruí-lo.
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
#meuamigosecreto
Faz quase dois anos que meu amigo secreto se mudou pra mesma casa que eu. E quase 6 meses que vivo só com ele, dentro da mesma casa. A minha casa é suja à ponto de dar ratos, porque é isso ou limpar a sujeira que ele faz por todos os cantos como se fosse a empregada que ele diz que eu sou. Meu amigo secreto inventa histórias sobre mim, ouve som o mais alto que pode mesmo eu implorando o contrário, traz homens desconhecidos pra cá com quem tem conversar - que faz questão que eu ouça - do quando eu sou desprezível e ele vai acabar com a minha vida. Meu amigo secreto me faz ter medo a ponto de, mais uma vez, deixar minha casa pra ir pra qualquer lugar fazer qualquer coisa, desde que seja longe dele. Eu durmo mal porque minha porta não tranca e eu sei que ele é capaz de pular no meu quarto - como já pulou inúmeras vezes pra furtar minhas coisas. Eu tenho medo de entrar aqui, de estar aqui. De estar no mesmo cômodo que ele, de olhar pra ele. Toda vez que eu o ouço andando pela casa penso que é meu último momento de vida, eu fecho os olhos e espero o tiro, a facada, o golpe que vai matar meu corpo finalmente. Meu amigo secreto me faz viver num ambiente inóspito. Mas ele é gente boa com o resto das pessoas e por isso todos acham que a errada sou eu. E por isso a única pessoa que eu tenho com quem contar no mundo sente culpa ao pensar em tirá-lo daqui e acabar com a tormenta desses longos anos, mas não tem em me fazer, mais uma vez, ir pra outra cidade apenas pra fugir, sem fazer ideia de como farei pra sobreviver nela. Quando eu começo a falar do meu amigo secreto, os conselhos que ouço são algo entre "você tá exagerando, você é dramática" e "já tá mais que na hora de você sair de casa e ir viver sua vida, se bancar, casa é só tijolo". E aí, hoje, 25 anos depois eu finalmente me dou conta de que é tão comum que os amigos secretos invisibilizem suas vítimas, que as façam passar por loucas. É tão comum que as pessoas que você queria que te acolhessem te digam que você tá sendo precipitada e infantil e dramática. É tão comum.
Hoje, mais uma vez desde que me entendo por gente, eu só consigo ficar deitada em posição fetal desejando com toda força que há em mim que eu possa não existir, que por um passe de mágica eu possa sumir sem deixar rastros. Eu me peguei com a unha na minha pele, comum canivete na mão tamanha vontade de rasgar meu corpo pra ver se a dor psicológica passa e se transforma em uma dor física que eu consiga lidar.
Hoje, mais uma vez, eu só queria que alguém me ouvisse sem me julgar. Que viesse pra cá e ficasse abraçada comigo em silêncio sem questionar meus sentimentos. Eu só queria que alguém me visse.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
sábado, 5 de dezembro de 2015
A casa que fede
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
Rivotril
Outro dia você reclamou de dor no corpo e eu te fiz uma massagem. Você não sabe, mas enquanto eu te massageava, eu rezava. É engraçado porque eu não sou mais o tipo de pessoa que reza, mas toda vez que te vejo sentindo dor, me pego fazendo isso.
Parece que as preces tem funcionado. Elas ou alguma força estranha que nos faz ainda estar aqui. Elas ou esse algo inexplicável que existe no Universo e me faz amar passar a semana te vendo em processo de criação enquanto eu cuido do resto da casa e do que resta da sua paz nesses momentos.
Teve uma vez que você reclamou que eu só escrevo quando as coisas vão mal, explico: estou deitada na sua cama pensando no que fazer pro almoço, te olhando se descabelar na frente do computador e me olhar dando um sorrisinho vez ou outra. Não existe angústia entre a gente e eu prefiro respirar esse momento e guardá-lo na memória ao invés de nas palavras.
Tem um ano e seis meses que você é minha paisagem favorita.