#meuamigosecreto vive de baixo do mesmo teto que eu desde sempre. E sempre me fez ter medo. Desde criança eu durmo com a porta trancada porque sou assombrada por pesadelos em que ele me mata. Não sei quantas noites passei insone por isso. O meu amigo secreto é um chantagista, que maltrata as pessoas que eu amo. Que pede arma aos meus amigos, que se droga pra ter desculpas pela falta de consideração. Meu amigo secreto sabe das minhas fraquezas e dos meus incômodos. Sabe que uma caixa de som com música bem alta em um lugar fechado desencadeia em mim uma crise de ansiedade sem tamanho, sabe que sou totalmente ligada à energia que as pessoas me direcionam. Meu amigo secreto sempre me tratou aos berros, sempre mediu força comigo - física e psicológica. Em brigas bobas, como quando era minha vez de usar o computador e ele nunca saía ou era a vez dele e ao invés de pedir pra eu sair, desligava o computador na tomada, ou o relógio de luz da casa e me tirava à sacos da cadeira. Ou em brigas sérias como nas vezes em que eu tive que tirá-lo de cima de sua namorada, em quem ele batia sem dó. Meu amigo secreto é vitimizado desde sempre, a culpa que é dele sempre foi atribuída à mim - sempre. Sempre me cobraram que o entendesse, ninguém nunca quis tentar fazer o mesmo por mim, porque eu sou mais velha, porque eu sou mulher e devo ser mais madura, porque tenho mais poder de compreensão. Meu amigo secreto foi um dos responsáveis pela minha saída de casa pra um lugar bem longe dali. Não importava pra onde e nem fazer o que, só queria ficar longe dele e do meu outro amigo secreto. A distância fez a raiva passar, mas ele nunca desistiu de me atormentar sempre que possível. Fosse vindo à minha casa pra dar festinhas quando eu precisava estudar, fosse pra trazer amigos deles pra cá e expulsar os meus, fosse pra sujar tudo que há aqui.
Faz quase dois anos que meu amigo secreto se mudou pra mesma casa que eu. E quase 6 meses que vivo só com ele, dentro da mesma casa. A minha casa é suja à ponto de dar ratos, porque é isso ou limpar a sujeira que ele faz por todos os cantos como se fosse a empregada que ele diz que eu sou. Meu amigo secreto inventa histórias sobre mim, ouve som o mais alto que pode mesmo eu implorando o contrário, traz homens desconhecidos pra cá com quem tem conversar - que faz questão que eu ouça - do quando eu sou desprezível e ele vai acabar com a minha vida. Meu amigo secreto me faz ter medo a ponto de, mais uma vez, deixar minha casa pra ir pra qualquer lugar fazer qualquer coisa, desde que seja longe dele. Eu durmo mal porque minha porta não tranca e eu sei que ele é capaz de pular no meu quarto - como já pulou inúmeras vezes pra furtar minhas coisas. Eu tenho medo de entrar aqui, de estar aqui. De estar no mesmo cômodo que ele, de olhar pra ele. Toda vez que eu o ouço andando pela casa penso que é meu último momento de vida, eu fecho os olhos e espero o tiro, a facada, o golpe que vai matar meu corpo finalmente. Meu amigo secreto me faz viver num ambiente inóspito. Mas ele é gente boa com o resto das pessoas e por isso todos acham que a errada sou eu. E por isso a única pessoa que eu tenho com quem contar no mundo sente culpa ao pensar em tirá-lo daqui e acabar com a tormenta desses longos anos, mas não tem em me fazer, mais uma vez, ir pra outra cidade apenas pra fugir, sem fazer ideia de como farei pra sobreviver nela. Quando eu começo a falar do meu amigo secreto, os conselhos que ouço são algo entre "você tá exagerando, você é dramática" e "já tá mais que na hora de você sair de casa e ir viver sua vida, se bancar, casa é só tijolo". E aí, hoje, 25 anos depois eu finalmente me dou conta de que é tão comum que os amigos secretos invisibilizem suas vítimas, que as façam passar por loucas. É tão comum que as pessoas que você queria que te acolhessem te digam que você tá sendo precipitada e infantil e dramática. É tão comum.
Hoje, mais uma vez desde que me entendo por gente, eu só consigo ficar deitada em posição fetal desejando com toda força que há em mim que eu possa não existir, que por um passe de mágica eu possa sumir sem deixar rastros. Eu me peguei com a unha na minha pele, comum canivete na mão tamanha vontade de rasgar meu corpo pra ver se a dor psicológica passa e se transforma em uma dor física que eu consiga lidar.
Hoje, mais uma vez, eu só queria que alguém me ouvisse sem me julgar. Que viesse pra cá e ficasse abraçada comigo em silêncio sem questionar meus sentimentos. Eu só queria que alguém me visse.
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