“aos poucos fui descobrindo que não-monogamia precisava significar fazer as pessoas se sentirem mais valiosas, e nunca menos. e que deveria estimular o auto-cuidado, e não cometer nenhum dos dois erros opostos a isso: agir de forma egoísta em relação às dependências emocionais que por ventura surgissem entre pessoas não-monogâmicas, ou agir como se essa dependência emocional não existisse, fosse desimportante, ou não fosse problema seu. se não-monogamia não podia significar ter uma obrigação com a outra pessoa, então automaticamente precisava significar que eu tenho uma responsabilidade de ajudá-la a cuidar-se, pra que jamais nossa relação se tornasse escravizante e dependente.
[...] se existe uma não-monogamia individualista, que pressupõe que minha liberdade afetiva, sexual ou romântica deve ser colocada à frente da nossa responsabilidade coletiva de construir novas formas de relação e de afeto, então no mesmo segundo eu me situarei numa então fundada ‘não-monogamia social’, oposta a esta primeira. não quero simplesmente poder me desvincular de mulheres (trans e cis) e pessoas trans que não se sentiram livres o suficiente para se relacionar comigo. quero que nossa relação seja parte de um esforço político para destruirmos conjuntamente nossas correntes.
[...] a questão é: queremos que relações livres sejam meramente relações que extrapolam para além das relações exclusivas entre pares, ou queremos que sejam relações onde questionamos os pilares da imposição, do sofrimento e da opressão relacionadas especificamente às formas como organizamos nossos relacionamentos?
[...] eu acho que eu tenho uma responsabilidade de ajudar a pessoa a construir essa relação, e que ela também pode me ajudar a construir a minha. que se existe algo de sororário e solidário a se explorar nas relações livres, é justamente este potencial de que as pessoas percebam que, não somente devemos nos relacionar, mas nos ajudar a desconstruir a monogamia. nos ajudar a construir autonomia sobre nós. nos ajudar a ter consciência de que somos, antes de mais nada, nós. e que antes de mais nada podemos ter uma afetividade, um amor e uma sexualidade que nos é própria. e tudo aquilo que o patriarcado roubou da gente, é nosso.
[...] eu acredito que estar numa relação livre não é só exigir, mas é fornecer autonomia. eu acredito que estar numa relação livre é ajudar a outra pessoa a não precisar de você.
[...] eu acredito que não-monogamia significa liberdade, mas uma liberdade real. material. plenamente física: ela acontece quando não sofremos quando estaríamos sofrendo, quando não nos deprimimos quando teríamos nos deprimido, quando sentimos compersão onde sentiríamos ciúme, quando sentimos saudade onde sentiríamos angústia.
Talvez a própria noção de “mulher ciumenta” seja problemática, talvez a noção de “ciúme” é que esteja despolitizada. Talvez se trate de parar de chamar insegurança de ciúmes, haja vista que tal uso protege a supremacia masculina, mas certamente se trata de tomar uma postura sororária em relação às mulheres que experienciam insegurança, e não de tratar o ciúmes como uma simples espinha a ser espremida pra fora de nossos corpos. É preciso abraçar estas pessoas e discutir com elas as raízes daquilo que nos está prendendo. Do contrário, estamos somente isolando quem está mais preso do que nós, e nos beneficiando dessa higienização".
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