quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Agora.
Arranquei as amarras e me rendi, cheguei aos seus pés e ajoelhei, acolhi-me em seu pedestal, joguei todo o peso num canto ao seu lado, as dores e dissabores de uma vida, ou do começo dela. Cansei-me, olhei pra trás e me dei conta do quanto tinha caminhado, do caminho tortuoso que foi até aqui. Examinei meu corpo, havia rasgos, arranhões, cicatrizes eternas (como escrever no carbono, é o que sempre digo repetindo suas palavras) marcas de uma alma que vem lutando com a ajuda de tantos, entretanto, vem caminhando só. Não tem o mesmo sorriso, mas o mesmo brilho. Ele dizia a ela que ela ainda brilhava, que ainda tinha muita luza pra exalar e ela sorria acreditando, auto-confiante como a muito não se sentia. Ela chegou, abriu o primeiro chuveiro que achou e se banhou da água que lavou sua angústia, se ensaboou com o sabão que levava com as espuma sua culpa e medo pelo ralo, se secou com a esperança, com a fé, com o ânimo, com o querer. Clarice já dizia: “depois do medo vem o mundo”. E era isso que agora se desenrolava diante de seus olhos: o mundo. Claro que ainda restava mágoa, que ainda restava sonhos perdidos, claro que aquele tão conhecido vazio ainda habitava algum lugar no seu olhar, mas ela estava convencida, e só agora ela tinha se convencido, de que queria ser feliz de novo, queria sentir aquela plenitude novamente e dessa vez queria que fosse sozinha, que não precisasse ter dedos gordos e grandes entrelaçados aos seus para se sentir realizada, que não precisasse daquela voz em forma de canção de ninar para dormir todas as noites ao som daquela mesma canção de sonho, agora ela e só ela era realidade. Acreditava com seus próprios ideiais, caminhava com suas próprias pernas. Sabe aquela frase antiga de autoria própria que rabiscara na parede: Tenho um sonho no meu pé e um mundo em minhas mãos? Então, é isso que ela tinha, era isso que lhe restara agora que finalmente chegara. Arranquei as amarras, me rendi, me atirei, joguei, pedi, agradeci, lavei-me, cansei de toda raiva sentida por mim mesma, tudo que eu tenho agora é só que eu quero ter: um sonho nos meus pés e um mundo em minhas mãos.
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