Foi difícil aquele dia em que você disse que seria melhor se a gente não se sentisse atraído um pelo outro e que seria mais fácil pra você entender o que a gente tem, já que precisa sempre de uma explicação pra tudo. E eu disse que tudo bem se a gente não sabia de nada, que a gente precisa viver mais e entender menos. "E não havia problema em ser meu amigo de dormir abraçado vez que outra e me ouvir excomungar carinhas da minha lista telefônica. Você foi meu melhor amigo que qualquer namorado".
Aí as coisas mudaram. Eu comecei "um papo enigmático de que às vezes valia a pena arruinar uma amizade, porque elas nunca superam o dia em que climas estranhos pairam no ar e vem uma vontade de respirar exatamente o mesmo oxigênio por uma noite e mais quatro semanas sem interrupções. E você me beijou de assalto" depois de falar que seria melhor se a gente parasse de se ver por uns tempos, só pra marcar mais fundo a contradição que a gente é.
"E com aquele seu jeito charmosamente arrogante me disse que era medo, só. E eu, retrancada e intempestiva, suei na mão com vergonha do que meu corpo todo tentava gritar. Não era amor. Aliás, medo quem tinha era você" que não se envolvia com ninguém a meses e ficava testando o quanto conseguia de sentimentalismo por você. "Com a barriga contraída, você devolveu que era eu quem te usava como muletas. Então sucessivamente fomos cuspindo recalques, abrindo feridas irresilientes, injustiças e egoísmos que não deviam sair de onde saíram".
"Aí meu mundo se reduziu a acordar sozinha" na cama - que parece enorme sem você - com o computador ligado em algum seriado deixado pela metade. E todos os lugares que eu ia eu só conseguia pensar no quanto você gostaria de conhecer.
"E fui sobrevivendo meus dias, descobrindo que podia jantar" com outras pessoas e que eu poderia ser feliz com as minhas músicas e não apenas com o som do seu violão diariamente. "E o quanto fazer outros amigos, todas mulheres, pois você estava mesmo certo quando dizia que homens não são bons samaritanos".
"E no meio de uma comédia romântica com o Ashton Kutcher me de uma vontade louca de ouvir alguma das suas piadas inteligentes que até agora não entendi, como fosse você o Ashton e nosso drama uma comédia romântica onde dois amigos de tempos trocam farpas, se magoam", fingem que a vida seria mais fácil e menos indolor sem tanta presença, "mas deixam no ar que um dia ainda podem voltar a se ver. E também que esse dia seja agora"."Você ainda pensa em mim com o coração? Porque eu ainda penso. Me atende, vem pra cá, diz pra mim o que eu realmente sinto. E o telefone fica mudo, me falando dessa mania infantil de achar que as coisas são como quero, que as pessoas deveriam falar tudo de acordo com meus tímpanos. Aí volto a odiar você, porque mesmo de longe me obriga a ser honesta comigo mesma. Depois volto a amar você, mais e mais, e de jeitos estranhos e palpitantes.
Atrás de algum motivo esfarrapado ou número alternativo, vejo sua agenda de anos mal passados, perdida numa gaveta de lembranças sem brilho. Folheio e acho bonitinho seu jeito de organizar compromissos um abaixo do outro, dias diferentes, tudo na mesma página, com marcações histéricas, querendo muito estar entre suas pendências.
E sorrio chorando porque ali onde a gente completa quem chamar em caso de emergência tem meu nome e telefone. E deixo mais mil chamadas perdidas no seu visor, porque na minha também tem o seu. E se isso não é uma emergência, não sei o que é".
Baseado em "Caso de emergência" do Gabito Nunes.
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