terça-feira, 4 de maio de 2010

Siglas

Se eu me incomodo com esse bando de siglas que esses três médicos malucos impuseram no meu dia-a-dia? Muito pelo contrário, foi meu consolo, minha salvação. De repente eu não era mais a menina estranhamente energética que brincava de futebol com os meninos, correndo pela escola derrubando tudo e brincando de lutinha na hora do recreio e da saída, eu não era mais a criança distraída que perdia a tarde olhando pela janela, tinha que reler 10 vezes o enunciado do mesmo exercício até conseguir prestar atenção para concatenar as ideias e desenvolver o trabalho, a que se desligava no meio de uma conversa e que, no meio de um esporro dos pais, se perdia em seus pensamentos e nem sabia o motivo dos berros deles no final da contas. Eu não era mais bagunceira que quanto mais tentava colocar as coisas em ordem, mais as bagunçava, eu não precisava mais jurar pra minha mãe que eu consegui me concentrar muito mais no dever de casa se a tv estivesse ligada e que eu comia aquele tanto de chocolate por uma queimação dentro da garganta que me dominava e que comendo, comendo e comendo eu conseguia fazer parar nem que fosse enquanto comia. Agora minha mãe entendia que era verdade que eu achava que nem ela nem o mundo gostavam de mim, que eu não faria a menor diferença, que eu era oca, vazia, ela ouvia isso de mim quando eu tinha 8 anos, se apavorava, achava que era charme, mas agora tinha um livro inteiro sobre isso se ela quisesse. Eu não precisava me envergonhar dos meu tiques motores, eu poderia cheirar o que eu quisesse, conferir a porta quantas vezes fosse, chorar por uma faca que estava dentro da gaveta até ficar desidratada, inverter as palavras até de um livro inteiro, conferir tudo que tinha dentro de uma gaveta quantas vezes eu quisesse. Eu estava livre, livre de todo remorso que eu sentia, de toda culpa que me impunham, de toda dor que eu sentia por não ser como as crianças normais. Eu não precisava ser normal, eu estava livre, mãe, eu to livre, livre pra ser eu mesma, livre pra ser esse exagero, esse escândalo, essa intensidade, essa multidão, essa instabilidade, essa inconstância, essa hiperatividade, essa distração, eu tava livre pra ser eu mesma. E até hoje eu não entendo porque a idiota aqui insiste em se prender a essas siglas pra dar desculpa pela vergonha que sente de ser ela mesma. Eu estou livre....

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