(continuando...)
Você continua beijando cada parte do meu corpo e eu continuo
sem saber se devo ir adiante com aquilo.
Sinto-me uma menina de 16 anos com as mesmas dúvidas, sem
toda a segurança que aprendi em todos esses anos de graduação, mestrado,
artigos e mais de dez outros amores. Você escorrega minha calcinha pra de baixo
do seu travesseiro, como antes, pra eu não reclamar que calcinha no chão pode
dar doença e eu, como sempre, não faço ideia de onde joguei sua cueca box
branca. T e olho, agora era a hora de
dizer “eu te amo” antigamente - pra evitar romantismo durante o que tende a se
tornar carnal demais - silenciamos. Você entra em mim sem falar nada e eu me
dou conta de que por mais que eu tente mostrar o quão diferentes estamos, somos
os mesmos. Os mesmos adolescentes a fim de experimentar o corpo do outro ao
extremo, os mesmos adolescentes apaixonados com vontade de chorar durante o
coito, os mesmos adolescentes brincando de kama-sutra, os mesmos adolescentes
que se abraçam forte quase tirando o ar enquanto um sussurra no ouvido do outro
“vamos gozar juntos! (...)Agora?”, os mesmos adolescentes que deitam lado a lado
em silêncio e enquanto você faz carinho nas minhas costas eu te faço cafuné até
adormecermos pelados no frio de maio. A diferença é que agora nosso maior medo
não é que sua mãe chegue e nos pegue no flagra, mas de abrir os olhos e admitir
que nunca deveríamos ter saído dali, daquela cama, daqueles dias, daquela vida.
Por
isso, mantenho as pálpebras cerradas o máximo de tempo que posso, quando abro
os olhos te vejo de relance levantando pra ir ao banheiro, sorrio sem conseguir
me localizar direito no tempo admirando sua covinha no quadril, ao lado da
bunda, que você diz ter conseguido como efeito colateral da musculação, embora
eu sempre tenha dito que isso é genético, enquanto você volta pro quarto.
-
preciso ir.
-
precisa nada.
-
sério.
- para
com esses pensamentos neuróticos.
- você
não sabe o que eu to pensando.
- claro
que eu sei. Ta pensando que não sabe se o que fizemos foi certo, que foi
diferente do que você imaginou, que não sabe como agir agora e por medo de
estragar tudo, prefere inventar uma desculpa e ir embora.
- te
odeio.
- te
conheço. Bem até demais!
-
continuo te odiando.
- você
tá muito melhor do que quando namorávamos.
-
quando a gente namorava era ruim então?
- claro
que não, era ótimo, mas a gente não tinha com o que comparar, fomos o primeiro
um do outro, lembra?
-
verdade.
- você
melhorou muito.
- to
ressentida por ter dito isso, mas concordo com você.
- eu
melhorei também?
- não,
eu melhorei muito.
-
engraçadinha!
- é
sério ué! Não tenho mais vergonhas ou inseguranças.
- desde
quando você tem isso?
- você
pode deixar de ser idiota uma vez na vida?
- ué,
você não lembra que a gente lia revistas sobre sexo e você quase chorava porque
era liberal demais e não tinha as mesmas neuras das mulheres até mais velhas
que você?
- eu
era patética.
- a
gente era.
- to
com frio.
- vou
pegar o resto do brigadeiro e já volto.
- vou
virar uma bola, assim.
- você
ta mesmo precisando dar uma engordadinha.
- você
critica a vida inteira meu corpo me mandando ser magra e agora mete essa?
- eu
nunca critiquei seu corpo, você que sempre foi neurótica com isso.
-
mentira!
-
verdade! Você tinha uma gordurinha aqui e outra ali, mas eu me amarrava, você
que queria perder.
- não
vou te relembrar o que você dizia pra não estragar o momento.
- acho
bom, não quero que nada estrague esse agora.
- e
depois, como vai ser?
Você senta do meu lado na cama, sorri com covinhas e prevê
com a mesma tranquilidade de moleque de 19 anos:
- deixa
o depois pra gente pensar depois.
Embora eu saiba que daqui a 4 horas eu vou tomar banho com
você, vestir a mesma roupa jogada pelo chão do quarto, entrar no carro e ficar
mais 8 anos sem pôr os olhos em você.
Você me liga no dia seguinte me chamando pra um cinema e eu
reluto dizendo que o reencontro foi ótimo, mas é melhor continuar nos deixando
na lembrança pra não estragar tudo. De modo que eu não faço ideia de como vou
parar no seu apartamento cheirando a novo, a 3 horas da nossa cidade natal e a
15 minutos do shopping com cinema que acabei de conhecer, com sua camisa velha
que fui obrigada a vestir depois de chegar em casa encharcada do temporal que
só pode ter caído por eu ter aceitado ver filme de guerra sem reclamar.
(continua, talvez...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário