terça-feira, 15 de maio de 2012

Reencontro

Não sei dizer exatamente como uma sucessão de emails despretensiosos me trouxeram a porta da sua casa de férias de verão em plena terça feira. Aliás, não sei nem como você pode estar em outra cidade em dia de semana. Vai me dizer que perdeu o emprego de novo? Solto um "oi" seco, agarrado na garganta quando te vejo vindo na minha direção sorrindo, fico tonta quando a sua imagem de agora (barba por fazer, cabelo curto, camisa polo) se confunde com a de oito anos antes (cabelo desgrenhado, bermuda de surfista, sem camisa, havaianas brancas, ausência de barba), nada grave e que eu não tenha sabido disfarçar.
 -vou prender os cachorros, peraí!
- não precisa!
- você não tem medo?
- tinha! - sorrio entrando pro jardim alisando os cachorros, em parte pra demonstrar que superei meu trauma de infância (quando o cachorro que me mordeu morreu atropelado e eu tive que tomar não sei quantas vacinas), em parte porque não sei como te cumprimentar.
 - como você ta? - você pergunta me abraçando sem demonstrar o menor constrangimento por isso.
 - bem - respondo distraidamente enquanto queria dizer "melhor agora". "Nem 5 minutos de conversa e já dou a primeira balançada. Droga!"
Andamos pelo corredor que dá na varanda em silêncio, você anda na minha frente alertando que ta com a panela no fogo e precisa ir ver rápido antes que queime.
- você ta sozinho aqui?
- to.
- cade todo mundo?
- não veio ninguém.
- hum.
- é lasanha da minha mãe, ela mandou pra você.
- e o qual panela ta queimando?
- to fazendo brigadeiro!
- não como massa e muito menos doce durante a semana, mas vou abrir uma exceção.
- nem brigadeiro?
- não.
- nem sua lasanha preferida no mundo?
- nada.
- eu trouxe um chocolate com castanha pra você, nem vou te dar então!
- chocolate com castanha? nem lembrava mais que isso existia! acho que não gosto mais de castanha.
- como isso aconteceu? era o seu preferido.
- era.
- pega os pratos lá dentro, por favor.
- aonde?
- no mesmo lugar de sempre.
Inevitável não me assustar com a realidade que a casa reflete em mim, impossível não sentir saudade antecipada do cheiro da sua sala, gargalhar em pensamento ao lembrar que a gente já transou em todos os móveis, que aquele porta retrato com a foto dos seus pais sorrindo na estante foi um presente de dia dos namorados meu pra eles - o casal mais bonito e apaixonado do mundo depois da gente. Como assim você ainda tem essa camisa?
A lasanha tem o mesmo gosto que eu me lembrava e o brigadeiro é melhor do que eu tinha registrado. Eu tive medo de acabarmos em silêncio, mas não paramos de falar, feito a primeira vez que fomos à praia e eu tive receio de que você desistisse de mim por me achar sem assunto, sempre fico sem graça quando preciso ser interessante sob pressão, o que não aconteceu por sermos dois tarelas disputando quem fala primeiro.
 - você tem alguma coisa pra fazer hoje?
- uma participação numa palestra, à noite. e você?
- te esperar chegar da palestra pra continuar o dia, menina importante.
- e eu posso saber o que você quer fazer que vai precisar desse tempo todo?
Você me beija, sem que eu espere. Eu sempre uso piadinhas pra descontrair, estragar o clima, você sempre usa minhas piadinhas pra se aproveitar de mim, tinha me esquecido.
Sua boca tem um gosto conhecido, embora eu não saiba descrever de que, como se eu tivesse lido alguma coisa em algum lugar e não soubesse onde, como se fosse uma cidade que eu estive a muito tempo atrás e não lembrasse mais de onde fica a praça central, como um filme velho que passa na tevê e eu não lembro da cena que o mocinho tira a mocinha dos braços do vilão no dia do casamento deles. Seu beijo tem gosto de casa, de lar, de sossego. Suas mãos na minha nuca me dão a sensação de algo que eu nem lembrava mais que estava procurando pois já tinha desistido de encontrar, me mostram que existe um lugar no mundo onde eu queira estar. Me desvencilho de você quando o beijo acaba, sem graça.
- linda!
- que foi?
- você continua fazendo a mesma carinha de quando termina de me beijar.
- de onde você tirou isso?
- você sabe que tá vermelha né?
- você e sua habilidade me deixar constrangida.
 - vem aqui, quero te mostrar uma coisa.
- que desculpa esfarrapada pra me levar pro seu quarto!
- como se eu precisasse de desculpa!
- idiota! - gargalho enquanto te sigo pelo corredor segurando sua mão. E só eu e Deus sabemos o quanto estar segurando a sua mão nos dias de hoje significa.
 - olha isso!
- men-ti-ra-! Meus olhos marejam quando você me mostra uma foto minha no álbum da sua família que sua mãe faz desde que você nasceu.
- quero te mostrar isso tem uns 5 anos.
- cadê as fotos das suas outras tantas namoradas?
- só tem sua.
A foto do nosso primeiro mês de namoro, sentados no alto de uma pedra escondida numa praia semi-deserta com cangas cobrindo o corpo e só mostrando o nosso beijo.
- essa foto é indecente.
- é a preferida da minha mãe.
- por que?
- sei lá, acho que foi porque esse dia que te apresentei pra ela.
- nossa! é verdade! o que é esse monte de papel dentro da caixa?
- não sei!
- como não sabe? você não leu?
 - não?!
- você e sua maldita falta de curiosidade irritante! não mudou nada!
- eu não leio coisas que não são minhas, sou educado.
- cala a boca e deixa eu ver!
- você, a moralista, vai ler coisas que não são suas?
- me dá logo! - pego a caixa da sua mão e abro papel por papel.
Choro, agora sem conseguir evitar lágrimas me sentindo a pessoa mais importante do mundo.
- o que é?
- como se você não soubesse.
- juro que não sei.
- por Deus?
- pela minha mãe! juro de dedinho!
- lindo!
 - o que é?
- todos os emails que eu troquei com sua mãe nos dois anos depois que você e eu terminamos, ela imprimiu e guardou...junto com as cartas do seu pai de quando eles namoravam e...olha, uma cartinha sua de aniversário!
- deixa eu ver! nossa, você que me obrigou a escrever isso!
- era dia das mães, ela merecia um presente e não só isso.
- mas eu comprei presente também, você me obrigou a isso também, não lembra?
- lembro! um hidratante e um perfume! como eu era pentelha!
- era?
- era! eu mudei, ta?
- to vendo!
- mudei mesmo.
- mudou quanto? - você me beija de novo.
- o que você ta tentando medir?
- jura que você não faz ideia?
Você me beija novamente e me levanta pela cintura, quase me carregando até o seu quarto. Tinha esquecido o quanto você é alto e forte e me carrega pra lá e pra cá como se eu fosse um peso pena. Tenho vontade de rir no meio do beijo ao lembrar que eu sempre me neguei a fazer qualquer coisa na cama dos seus pais e por isso você tenta me tirar dali.
Você encosta a porta, pela mesma precaução de 9 anos atrás, senta na cama e me faz sentar de frente pra você, me olhando na alma. Tira a blusa polo azul clara que parece uniforme de empresa, desabotoa a calça e se mexe desengonçadamente tentando jogá-la longe dali, me olha esperando eu me despir. Gelo. Só uso um vestido tomara que caia, sem ele fico nua e não sei se devo, ainda. Como sempre, lê meu pensamento e faz o trabalho por mim, beija minhas costas na parte sem roupa enquanto vai levantando o tecido pouco a pouco.
Todas as vezes que nos imaginei aqui novamente, era muito diferente, nunca tinha sentimento, sempre tinha pressa.
 Você continua beijando cada parte do meu corpo e eu continuo sem saber se devo ir adiante com aquilo.



 (continua...)

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