quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Como esquecer

"desde o dia em que antônia foi embora da minha vida que eu me pergunto: o que será que é o contrário do amor? pra maioria o contrário do amor é ódio. não, muito óbvio. cheguei a conclusão que o contrário do amor é o estado permanente de perplexidade. uma perplexidade ferida que te prende numa armadilha de onde você só vai conseguir escapar com a ajuda de quem te abandonou

só uma coisa me faz respirar como respiraria uma montanha, profundamente: não depender mais do coração alheio. não olhar mais o relógio com angústia, quando um atraso pode significar desaparecimento. não estar mais ligada por um fio invisível a um corpo externo a mim

não havia mais nada escrito em mim. só lembro, de repente, eu me perguntando: será que esquecer é a mesma coisa que ter perdido?

talvez eu me arrependa, helena… mas agora eu preciso descobrir o que sobrou de mim mesma. não posso te arrastar para uma vida de comparações. você merece coisa melhor do que alguém acampado numa encruzilhada tentando enxergar o caminho, qualquer caminho
-o amor exige muito e eu tenho muito pouco pra dar-
nem sei se com este pouco se faz vida. as emoções escorrem, nada penetra. talvez eu me arrependa, helena, talvez".

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Eu não vou

Faz muito calor na cidade, nem parece. Dentro de mim, o frio é assustador, desses que nenhum casaco/cachecol/luvas dá conta. De repente voltei a me sentir a peça sobrando num quebra cabeças gigante. Eu não encaixo. Tudo dói e eu ainda sou a menina de 6 anos que chora encostada na porta trancada do próprio quarto, com aquela mesma vergonha de ter medo de deixar a mãe ir estudar e ela nunca mais voltar. Agora quem não volta sou eu, não tenho pra onde. Estou longe demais de qualquer coisa que me dê sensação de lar. Corro de um lado pro outro, ainda não tive tempo de conhecer meu prédio. Nem ânimo. Estou sempre cansada demais, sempre culpada demais, sempre ocupada demais. A cidade tenta entrar em mim de todas as formas, em vão, acaba por me engolir. Ainda assombrada pela sensação de não pertencer, volto pra casa. Tomo um banho demorado, acendo um incenso, ligo o notebook e tento assimilar que aqui é minha casa, que agora eu tenho casa. Tento assimilar que meus amigos estão à um ônibus de distância, que eu to no olho do furacão que tanto pleiteei. Se transformar no que eu quero dói. Todos os dias penso no conceito de solidão e solitude, tento pender mais pra solitude, mas é a solidão quem me alcança, quem me desgraça, quem me rasga. Resolvo encarar, tornar-me amiga dela, mas ela insiste em me ferir. Tudo que não é escolha, dói, porque meu mimo continua me acompanhando. Penso sobre qualquer outro lugar pra estar, escolho permanecer. É só o começo de um relacionamento muito sério, desses que assustam, desses que a gente pensa "putz, to namorando e agora alguém me salva" com uma cidade inteira. A parte boa é enorme, mas aceitar as ruins é doloroso. Não dá pra ter só o bom, então preciso escolher pra onde olhar. Mas olho pra frente e não vejo forma de sair dessa relação séria com essa cidade tão cedo, sempre fui péssima com projeções, mesmo fazendo-as diariamente. Fico angustiada. No fundo, é só saber o que esperar e não há frustração, dizem, porém já estou não esperando nada. Eu grito, grito mais alto. Feliz que não há ninguém pra ouvir minha loucura. Eu grito de novo, fico feliz por estar viva, por ter voz. Ainda sentada no chão do quarto penso no quanto eu sempre amei chãos e estar sentada em um não é um plus no drama, é só minha forma de estar no lugar mais confortável que eu conheço ao sentir dor. Belíssima metáfora que o lugar de maior conforto pra mim seja o chão. Sinto saudades. Todos os sentimentos presos em um nó na garganta. Eu não sou nada. E não ser nada é o que me salva.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Você tocando violão, deitando a cabeça sobre ele enquanto canta de olhos fechados: meu quadro favorito.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Terror do Rio, adeus.

Desde criança eu queria morar em Rio das Ostras, de modo que quando esta passou a ser minha cidade, não me soou como surpresa, mas como caminho. Eu vim pra cá disposta a m deixar modificar pela cidade, pela universidade, pelas pessoas. E acredito que eu tenha feito um bom trabalho.
Olhando agora, em retrospecto, vejo a menina de 19 anos que chegou aqui com medo de andar duas quadras sozinhas, com medo de não fazer novos amigos tão bons, com medo de descobrir quem era. Ainda encontro hoje algumas semelhanças àquela menina, mas foi nessa cidade que me permiti transformar mulher e onde descobrir que transformar em mulher é todos os dias da vida e não algo acabado.
Cada rua que andei tinha uma memória, agora misturando infância-adolescência-universitária sinto orgulho e aquela saudade, aquela saudade boa de sentir de quando vivemos tudo, de quando fechamos um ciclo sem deixar nada pendente e não queremos voltar, por maior que seja o sorriso causado pelas lembranças.
Estou num ônibus indo pra um encontro feminista, o último comp graduanda e a vida não poderia ser mais gentil comigo me deixando fechar esse curso com chave de ouro.
Eu não saio daqui só psicóloga. Eu saio daqui feminista, sapatão, maconheira. Eu saio daqui com a mesma vontade de mudar o mundo que eu cheguei. Eu saio leve porque me encher de mim mesma causa leveza. Eu saio deixando a porta aberta, sem data pra voltar.
Eu vim pra cá com medo de me encontrar. Dizem que medo é desejo. Deve ser por isso que eu desenvolvi pânico. E deve ser por isso que me curei dele. Obrigada, Rio das Ostras, por ter me proporcionado os melhores e piores dias da minha vida, quando a gente encontra a gente é assim mesmo.
Estou pronta pra encontrar a nova Amanda que já existe em mim. Pra ser mais uma vez transformada por uma cidade, por uma universidade, por outras pessoas. Sinto que eu só expando por caber tanto em mim e por eu ser tantas. Talvez viver, seja se expandir até explodir (e enfim deixar de existir).

Na primeira semana de aula meu professor me disse que se não entrássemos um e saíssemos outro daqui, senão destruíssemos tudo que acreditávamos ser pra construir de novo, poderíamos voltar e fazer tudo de novo. Deve ser por querer dar a voltar completa na des/reconstrução que demorei tanto aqui. Eu cumpri, enfim, minha primeira e única tarefa que levei à sério: sou outra, o rio e eu nunca mais seremos os mesmos.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Seu ganho secundário é uma ilusão.

Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.
Seu ganho secundário é uma ilusão.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Abusivo

"Eu não sei como a gente não percebia o quanto o relacionamento de vocês era abusivo. Tudo que eu lembro é que você chorava muito, todos os dias saía de dentro do quarto de vocês chorando pelo menos uma vez. Eu ficava pensando que talvez você fosse mais triste do que feliz com ele, mas eu não sabia como te dizer isso.  Desculpa não ter te ajudado a perceber e sair desse buraco".

terça-feira, 22 de março de 2016

Senhora, e agora?

Acordo com o reflexo da luz começando a entrar pela janela e você nem se move. Deitada dentro do meu abraço, linda, fazendo um bico fofo com a boca. Você fica ainda mais rosa pela manhã, eu já te disse?
Lá fora tem um mundo de coisas que eu preciso fazer, mas fecho os olhos e ignoro, só hoje. Fecho os olhos e sinto a sua respiração quente no meu peito, sem deixar de pensar na sorte que eu tenho. Tento dormir e acabo cochilando, até que você acorda, me vê e sorri. Ver você sorrir pra mim toda vez que acorda ao meu lado é meu presente favorito. A gente se abraça e eu te conto que sonhei que a gente esquiava na neve, você ri e a gente combina de viajar pra neve de novo em breve. Você faz menção de voltar a dormir, eu levanto e te digo que to indo preparar nosso café, "fica acordada".
Faço um queijo quente, um copão de café e um suco de laranja com cenoura e volto pro quarto. Você tá de bruços mexendo no celular. Senta na cama, me dá um beijo agradecendo e voltamos pros nossos celulares enquanto comemos.
- preciso estudar. - você diz
- eu também. - eu respondo
Combinamos de tomar banho, ir ao mercado e voltar pra estudar. Então a gente toma banho juntas, vai ao mercado juntas e preparamos juntas um almoço bem verde. Ou melhor, você prepara enquanto eu fico sentada te olhando e auxiliando. Enquanto cozinha, você me conta da sua avó, da sua cidade, do show que você que ir, de como foi o fim de semana passado. A gente ri, a gente ri muito de tudo. E eu te abraço por trás enquanto você ta mexendo a panela no fogão pedindo a qualquer força que tiver me ouvindo pra que você permaneça na minha vida, mesmo que eu saiba que tudo passa. Você parece ouvir meus pensamentos, vira, me abraça e diz que me ama. Me diz que eu sou o seu amorzinho, sua companheira de vida e que você ta muito feliz comigo.
A gente come e senta pra estudar. Eu paro 10 minutos depois pra fazer café. Volto e a gente fica em silêncio, lado a lado, lendo e escrevendo sem parar. É bom olhar pro lado e te ver ali imersa nas suas teorias. É bom estar imersa nas minhas acompanhada de você.
As horas se passam, anoitece, você fecha o notebook dizendo "chega por hoje" e eu digo que to terminando o último parágrafo. Termino e te chamo pra tomar uma cerveja no boteco da esquina. Você topa, mas diz que não pode voltar tarde. A gente toma banho juntas de novo, fazendo dancinha ao som de "I follow" no box. Você me ajuda a escolher a minha roupa e eu te digo pra levar um casaco porque o tempo tá virando.
Chegamos no bar e a sinuca está desocupada. É nosso dia de sorte. Você me ganha quase todas e sorri porque ama me ganhar nos jogos e eu sorrio também porque tudo bem perder pra alguém que sorri assim. A gente fica muito bêbadas, contando casos, gargalhando. Alguém começa a ficar violão e a gente chega perto da rodinha pra cantar junto. Você fuma um cigarro enquanto canta e eu queria fotografar essa cena pra guardar pra sempre. Você me chama pra ir embora e eu te peço pra ficar mais uma cerveja. Claro que você concorda. A gente volta pra nossa mesa. Te pergunto se você quer dormir lá em casa de novo, você topa dizendo que ta meio tarde pra ir pra casa. E eu rio te dizendo pra você parar de inventar desculpa que todo mundo ja sabia que você ia voltar pra dormir comigo. Você faz bico e eu te mordo. A gente paga a conta e volta pra casa. Você me obriga a tomar banho de novo e escovar os dentes ou você não vai me beijar. Eu resmungo, mas a contrapartida é eficiente então eu vou. Eu tiro a roupa e deito na cama, você coloca uma camisa listrada e me abraça.
- você é o amor da minha vida - você me diz.
- olha quem ta bêbada!
- to falando sério, sua idiota!
- você também é o amor da minha vida. Eu te amo muito.
- eu também. Bons sonhos.
- pra você também.
Dormimos.

Acordo dentro de um ônibus e forço a memória a fim de reconhecer a estrada. Estou viajando sozinha. Minha cabeça dói. Te procuro ao meu lado. Eu choro. Foi só um sonho das memórias. Eu choro mais forte. Meu coração dói de uma saudade incontrolável. Tudo que a gente foi e não é mais ainda estraçalha meu coração. Todos os dias.

sábado, 19 de março de 2016

Adeus

Essa casa é pintada de tanta lembrança, desde as paredes ainda no cimento com as cores que escolhi até cada pessoa que aqui morou. Cada vez que as pessoas q moraram nessa casa mudaram, a casa mudou junto.
Hoje: deitada no escuro, o armário vazio, os últimos vestígios de mim que existem aqui se despedem de tudo que aqui fui. E não é fácil dizer adeus pra nada, especialmente pra um eu tão bonito que habitou aqui. Engasgada com os melhores e piores dias. Com a dor e a alegria de voltar pra esse lugar. Com cada transforma-se, essa casa também sou eu. E a eu que fica não perdoa a eu que vai, mas a eu que vai precisar ir mais do que qualquer coisa.
É engraçado pensar que eu nunca estive sozinha aqui, foram tantos amigos, amores que fizeram dessa casa o lar deles também, mas hoje, olhando pro teto escuro da luz apagada, não há ninguém com quem eu possa/queira dividir a nostalgia, pra quem eu possa ligar chorando porque eu sou uma idiota que se apega às despedidas tanto quanto aos dias vividos. O barulho do ventilador embala meu sono, é cedo demais pra dormir, mas essa é a hora certa de partir, eu sinto.
Eu espero que pra onde eu vou, as frases escritas pelas paredes ecoem na minha alma.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Você viu que talvez tenha impeachment?

Eu sempre escrevo é me refiro à você como o pior relacionamento que eu tive, o que me fez mais mal, me afastou/privou de mais pessoas, mais me desgraçou.
Desde que a desgraça última aconteceu, venho tentando me perguntar porquê então, eu fiquei. Tanto tempo.
A resposta começou a aparecer numa noite congelante de terça-feira, eu tinha brigado com minha mãe e tava no ponto de ônibus fazia alguns minutos. Tremendo de frio, chorando sem parar, soluçando na rua: eu só conseguia pensar em te ligar pra te contar. Eu sei que você entenderia porque a gente sempre teve essas brigas em comum.
Talvez seja só eu colorindo o passado, o que é tão comum quando olhamos pra trás.
Hoje foi meu primeiro dia no meu primeiro trabalho, trabalho este que sonho desde sempre e julgava inalcançável. Na saída descobri que o povo tá na rua pedindo - de novo - o impeachment. Dessa vez eles tão usando como prova algo que não prova nada, mas ainda assim é um artifício.
Eu cheguei em casa há poucos minutos, to sozinha rodando pra lá e pra cá inconformada: a esquerda deveria ta na rua. Mas o que a esquerda pediria se ela tbm ta contra a esquerda. Tem chance de voltar a ditadura? Passagem pra qual país minha poupança me permite comprar caso ela role? Se o vice presidente assumir minha sexualidade e eu nunca mais poderemos dar as caras na rua. Onde será que você está que não ta falando disso comigo?
Gostaria de dizer, que você continua sendo a pessoa que me desgraçou, do dedo do pé até o fio de cabelo. E eu sempre vou odiar você por isso. Mas hoje, quando me perguntarem por que eu fiquei, vou saber responder que é porque era dentro do seu abraço e da sua visão política que meus questionamentos cessavam.

quinta-feira, 10 de março de 2016

acalma

Era sábado à noite e, nas ruas do centro, quando eu finalmente consegui parar de chorar, minha amiga de infância olhou nos meus olhos e disse: - eu queria que você conseguisse se ver de fora, como eu vejo, pra você ver o buraco que você ta enfiada.

Então, de repente eu comecei a enxergar. E o choque me fez saltar do limbo.

No final do túnel a luz que eu emito acalma a minha alma.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Rubem Alves

"Rubem Alves (1990) escreveu certa vez que o ser humano possui um ar de despedida em tudo que faz. Como ele escreve, “as pequenas despedidas apenas acordam em nós a consciência de que a vida é uma despedida”. Saber da nossa finitude, bem como da finitude de todas as coisas nos enlaça aquilo que realmente interessa. Flechas de Tânatos e flechas de Eros nos atravessam a todo instante e como também escreve Rubem Alves (1990), ter consciência desses instantes nos possibilita fruir “da beleza única do momento que nunca mais será...” (p.11). "

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Hoje a coragem bateu na minha porta e fui ver sua mãe.

Quarta, 17 de setembro de 2014.
Eu havia chegado na casa da minha ex há alguns minutos. Sentada na cama, resolvi ligar a internet que vivia desligada nos últimos tempos. No grupo da nossa turma haviam mais mensagens do que nunca. Eu li "Mateus sofreu um acidente" e parei de ouvir tudo ao redor. Fiquei surda, cega, perdi a memória. Precisava colocar crédito no meu celular pra ligar pros nossos amigos pra confirmar o que tava acontecendo, mas não lembrava meus dados bancários - que eu nunca esqueço. Precisava ligar proa meus pais, mas tinha esquecido o telefone deles. Reescrevendo agora, sinto a mesma sensação de sair do corpo daquele dia. Eu não conseguia me mover e as únicas coisas que saíam de mim eram lágrimas incontroláveis.
No dia seguinte vim pra Friburgo com o discurso de que acalmaria nossos amigos e sua família. Eu não fazia ideia de que quem teria que ser acalmada seria eu. Naquele dia e em todos os outros que se seguiram de lá pra cá.

Domingo, 28 de fevereiro de 2016.
Mais de um ano e cinco meses depois eu consegui visitar sua mãe. Fui chorando o caminho inteiro, suando frio. Entrar na rua da sua casa sem estar acompanhada de você ou sem o intuito de te encontrar estraçalhou o resto da postura de sobrevivente que eu tento manter todos os dias. Cheguei no portão e abracei sua mãe, as duas chorando, as duas procurando um pedaço de você dentro daquele abraço. Tirei a sandália pra entrar na sua casa e sua mãe riu, dizendo que não precisava (Sabia que desde que você se foi todo mundo anda com sapato da rua lá dentro?) e foi inevitável não te procurar no banheiro, na sala, na cozinha, no seu quarto. Sua mãe e eu sentadas no sofá da sala da sua casa me deu a certeza que eu nunca tinha tido antes (à despeito de parecer óbvio): você nunca vai voltar. Ela me disse que ficou esperando você voltar por muito tempo, sentada ali naquele mesmo sofá. E eu confesso que eu também fiquei. A gente refez nosso caminho separadas e tentamos nos conformar com a sua partida. Ela com a fé e eu, com a teoria da liesel meminger. Contei pra ela do quanto é difícil amar a vida longe de você, do quanto eu sinto sua falta e ouço seus conselhos dentro da minha cabeça. Contei que eu também sentia sua falta todos os dias e, como você pediu, a lembrei da ótima mãe que ela sempre foi.  E então a gente entrou no seu quarto. Não tinha mais nenhuma foto sua (e é muito estranho entrar num ambiente que você fez parte sem encontrar fotografias e textos), não tinha seu edredon sob a cama, não tinha seu cheiro. Ela me pediu pra escolher qualquer coisa sua pra levar de presente. Eu me presenteei com aqueles dois livros que eu te aviso que vou roubar desde que você comprou. Minha vontade é de sentar no chão e abraçar as pernas e não sair até você parar com essa babaquice de ter ido embora. Então eu te ouvi me dizendo que está comigo aonde quer que eu esteja e que você não gostaria de passar o resto dos meus dias no seu quarto desarrumado. Voltamos pra sala, entre confissões e lágrimas que não cessavam. Então, quando eu anunciei que precisava ir, ela me disse que tinha uma coisa pra mim, como você me avisou. Foi no quarto dela e voltou com seu cordão. O cordão que você usou por tantos anos, o cordão que você usava quando deixou esse mundo. "Eu tava guardando esse cordão pro meu neto, mas você ama tanto meu filho que precisa ter algo dele com você". Agora eu tenho o você pendurado no meu pescoço. E a certeza que você nunca vai voltar. Porque você nunca foi embora.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Eu sobrevivo

"Eu sobrevivo, eu sobrevivo" repito baixinho agarrada às minhas pernas no chão do banheiro. Você não está aqui pra me ver nessa cena tão comum e tão patética. Nem você nem ninguém. Desde que você se foi, os olhares do mundo retiraram-se de mim junto com a sua vida neste planeta.
De lá pra cá me pergunto o que de fato é viver, existir, morrer. Pergunto-me o que é estar vivo, aprendi sobre a importância do corpo, confirmei o Universo em cada ser. Mas você não está aqui pra me ouvir. Você não está pra saber que faz quase um ano que acordo com o coração doendo e não sei o motivo. Você não tá pra ler minha monografia e me dizer que não importa se ninguém liga: nós dois vamos beber e ir na cachoeira e beber na cachoeira fazendo retrospectiva dos últimos seis anos até que eu não aguentasse mais ouvir falar o nome UFF. Você não tá aqui pra me dizer que eu não preciso ter medo, as coisas vão rolar, o acaso é enorme como o mundo e nele há mil possibilidades. Você não tá aqui pra ver essa chuva caindo lá fora comigo e ver a chuva caindo lá fora nunca mais fez sentido. Você não tá aqui repetindo que eu sou a melhor companhia do mundo e se alguém no mundo não enxerga isso, não tem problemas.
"Nada está tão sujo que não possa ser limpo" ouço sua voz dentro da minha cabeça. "Amor são laços de alma e por isso é tão difícil esquecer alguém" ouço sua voz dentro do meu coração. Então largo o computador e me abraço, na esperança de sentir de novo o que o seu abraço provocava em mim. Sorrio, lembrando da minha mãe sempre comentando que a gente se abraçava por tempo demais, que era constrangedor, você se lembra? A gente podia ter se visto a vinte minutos atrás, quando a gente se encontrava eram minutos incontáveis se abraçando, onde fosse, na frente de quem fosse, o seu abraço era o melhor lugar que existia. Mas ele não existe mais.

Será que em algum lugar, você ainda existe?
Outro dia eu percebi que não tenho mais medo de amar viver. Desde que você se foi eu criei esse medo, você era a pessoa que mais amava viver que eu já vi e a morte te pegou tão distraído. Comecei a pensar que, talvez se eu estivesse atenta, a morte não me surpreendesse, mas eu a surpreendesse, tipo a Liesel Meminger "Um olho aberto e outro no sonho, seria melhor um sonho inteiro, mas definitivamente não tenho controle sobre isto". Mas então eu percebi que, se você não se distrai, a vida deixa um pouco de valer a pena, o que a gente vive tão travado, sem relaxar? O que a gente vive se só pensa sobre a possibilidade de morrer 24 horas por dia? Então eu me entreguei. Entreguei-me novamente pra vida na esperança de que a morte me poupe até eu ter certeza que, quando eu chegar do outro lado, quando for a minha vez de atravessar esse portal do invisível, eu seja recebida pelo seu abraço, o mais demorado deles, e que quem sabe, até lá, eu tenha encontrado a felicidade por aqui (aquela almejada e não aquela idealizada) e parado de chorar sozinha no banheiro abraçando as próprias pernas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Na parede, pixei "escrever é mergulhar no oceano que se é".
Era 2011.
Eu não fazia ideia da dimensão do oceano.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

desejo=falta=desejo
desejo=potência=motor
desejo=vontade de potência
Você só entende quando vive.
Você só vive quando entende.
E às vezes entender é tarde.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Pânico

Eu passei muito tempo fugindo e condenando sem saber ao certo o que. Eu passei tanto tempo enclausurada dentro da ideia de impotência que sempre me despertava.
Eles diziam que eu nunca teria cura.
Eles diziam que eu nunca poderia viver sem remédio.
Eles diziam que eu nunca poderia estar no meio da multidão.
Eles diziam que eu nunca poderia estar sozinha.
Eles diziam que eu nunca poderia estar num lugar com o som alto demais.
Eles diziam que eu nunca ficaria bem no meio de desconhecidos.

Eu irradio todas as cores na cara deles. Eu danço sozinha no meio da multidão sem medo de me perder. Eu tenho à mim e eu danço em nome da liberdade de ser que ficou no lugar do medo.
O carnaval aumenta, a síndrome do pânico diminuiu. Eu não lembro a última vez que tive tanto orgulho de mim.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Ainda sem saber se a madrugada de segunda feira aconteceu.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Autópsia

Você me mandou embora e eu fui, sem olhar pra trás, obrigando-me a ver apenas a parte ruim de tudo pra ter força pra não querer voltar. Eu fui embora e vi o mundo, eu fui embora e olhei pra mim. Tinha tempo que eu não me olhava - na verdade não sei se já tinha feito isso - mas, de alguma forma, saber que você não cuidaria mais de mim me obrigou a me cuidar, entender os meus próprios processos; me ensinou a começar a me amar de uma forma que eu jamais experimentara.

Outro dia eu voltei. Voltei porque, olhando pra tudo que eu tinha agora, não conseguia mais me apegar à motivos que não me fizessem querer regressar. Voltei porque vi a sua janela aberta e senti tanta saudade que não entendi porque não estávamos dividindo o sofá.
Olhei pra dentro de mim e todas as cicatrizes ainda doíam, elas estão aqui pra me lembrar, muito mais sobre coisas sobre mim do que sobre você.





Agora estou aqui, na sua porta. Ela está entre-aberta, eu não sei o que tem dentro, eu não sei se quero entrar, eu não sei se você quer que eu entre. Mas eu estou aqui, parada na sua porta como eu jamais imaginei estar novamente. Eu queria te dizer um milhão de coisas e te abraçar daquele jeito que eu só abraço quando são seus braços que eu encontro. Mas eu estou paralisada. Ainda não sei se te aviso que to aqui de volta, ou se dou meia volta pra não mais voltar.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Análise

Parei pra dar uma olhadinha aqui: eu não odeio mais os homens.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Re-delimitando o próprio corpo (parte 1)

"Você continua buscando estupros" ela me disse, assim, entre uma frase e outra da história que eu contava sem me dar chance de respirar. Eu olhei com aquela cara de "Quê que você ta falando aí?", que ela já conhece bem.
Três vezes por mês nos encontramos em uma sala diferente. Eu e meu sol em capricónio já decidimos que cada sala é pra uma situação especial ("toda vez que eu chego aqui chorando a gente vem pra essa sala", "toda vez que a gente tá nessa sala você me elogia","e vamos nós pra salinha da crise existencial"), de modo que eu não esperava que ela fosse soltar uma coisa dessas na "sala da maturidade".
Então ela me olhou com aquela feição de quem sabe que vai me ver chorar o resto da sessão. E eu não me incomodo mais de chorar na frente dela, já que só na frente dela eu não sinto culpa e necessidade de consolar alguém que está comovida com a minha dor. Essa frase que eu vivo repetindo de "a gente precisa aprender a suportar o sofrimento e o choro do outro", eu aprendi com aquele olhar.
"Eu discordo de todos os seus amigos, pela primeira vez nas histórias que você me conta. Eu acho ótimo que você esteja preservando esse corpo tão violentado, tão maltratado, pela primeira vez. Eu acho ótimo que você não esteja usando seu corpo pra se castigar de algo que você não tem culpa, que não esteja se colocando em situação de risco. Quando você me diz que precisa fazer o contrário disso pra provar sei lá o que pra sei lá quem, eu só consigo pensar que você continua sim,como eu disse, buscando estupros". "A gente já conversou sobre essa frase e do quanto eu acho que ela tá cheia de culpabilização da vítima". "Sim, e a gente concordou que você se coloca em situação de risco quando tá com raiva de você ao invés de se enfrentar". "Não sei fazer o contrário, é muito mais fácil me castigar". "Ou era, até você se dar conta do que os castigos provocam em você, na bola de neve que vira, olha como você tá, sem conseguir controlar nada. Logo você, louca por controle". "Às vezes eu não gosto muito de você. Risos. Brincadeira! Mas às vezes você pega pesado comigo". "Tem certeza que sou eu que pego pesado com você?"

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

a ex do meu ex

Ela é linda, estilosa e tem um cabelo impecável, mas todo mundo me diz que eu tenho que achá-la feia.
Ela é comprometida, inteligente, uma das pessoas mais espertas que conheço, mas todo mundo tentou me convencer que ela não tem nada a oferecer.
Ela sempre tem um bom conselho, os ouvidos sempre chamam meus traumas contidos, o ombro dela é um lugar mega confortável, mas todo mundo gritou que eu jamais deveria confiar nela.
Hoje, 6 (ou 7?) anos e um feminismo depois, eu só tenho a agradecer. Agradecer por alguém que é tão diferente, mas também um espelho. Por alguém que tá sempre pronta pra me defender e que me faz sentir menos sozinha (tanto no mundo quanto nas ideias) mesmo quando não está fisicamente do meu lado. Agradecer por alguém que topa minhas loucuras, que dá trela pros meus devaneios, que se divide comigo sem medo. Agradecer porque não é todo dia que alguém que deveria te odiar se torna uma amiga. E que não é todo dia que a gente pode chamar de amiga alguém que o tempo cronológico (aff) diz que tá cedo demais. Agradecer.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Eu te ouço quando eu morro um pouco.

Eu tava agora ajoelhada no banho chorando e você chegou. Talvez meu choro e meus textos seja a nossa forma de conexão (ok, e minhas experiências de quase morte drogadas também). Queria você aqui, não pude deixar de querer ainda, desculpa, ainda não te amo o suficiente pra te deixar ir embora. Lembrei que você sempre esteve aqui quando eu fiquei assim, assistindo tudo do começo até dar tudo errado.
Sua falta é um buraco enorme na minha alma, um vão de sentidos. Cadê seu abraço aqui?
Pra me ouvir dizendo as mesmas coisas mil vezes (repetindo e elaborando em looping eterno com toda a paciência). Me ver chorando pela rua sem se incomodar. Insistindo pra que eu te acompanhe às cachoeiras. Dormindo comigo o dia inteiro quando eu não consigo sair da cama. Atendendo o telefone de madrugada só pra me ouvir chorar. "Ela é mais bonita que eu?" "sim, e ele ta apaixonado por ela. Mas eu to apaixonado por você desde sempre e sempre vou ta, isso que conta" "quem ama faz sexo" "sexo você tem o mundo todo pra fazer". Me dizendo que não adianta eu dizer que nunca mais vou amar ninguém porque eu tatuei o contrário na perna. Tampouco que quero me apaixonar por outra pessoa logo porque eu não quero fazer com ninguém o que fizeram comigo. Eu fico pra lá e pra cá procurando as palavras que só você proferiria e eu sei que ninguém tem o poder que a sua voz tinha sobre mim, que ninguém me acalma com um cafuné e uma história sobre os deuses antigos. Eu continuo atravessada. E sim, eu sei que você tem uma coisa pra mim e que pra ganhar eu preciso ir ver sua mãe.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Abusivo

Uma amiga me convidou pra uma memória que eu tinha perdido: a primeira vez que eu traí alguém foi quando você me beijou sem meu consentimento. E é engraçado pensar, 7 anos depois no quanto seus abusos eram recorrentes e eu não percebia: o modo de fazer sexo, os dias de encontro, a sua postura, as suas palavras, a sua criação de caos ("como é morar com alguém que tem um corpo muito mais bonito que o seu?"), a sua negligência, tudo. Eu tenho vergonha de mim por não ter percebido isso no durante.
Escrevendo agora, lembro que uns meses depois que terminamos da primeira vez eu disse à uma amiga que achava que você tinha sido escroto comigo e ela disse que também não tinha percebido nada, que talvez fosse uma memória deturpada pelo fim - que é tão comum. E eu aceitei aquilo de um jeito que fez com que eu topasse, por anos e anos depois, ter você com o mesmo comportamento, até se tornar impossível conter seus atos e ser abusada por você, de fato.
Olha, agora, finalmente, mais de um ano depois, eu consigo pensar racionalmente sobre isso. Mais de um ano depois eu consigo não querer me matar por odiar o corpo violentado que eu tinha, porquê é isso que  abuso provoca e seguir em frente com a minha vida. Eu demorei muito tempo pra entender que eu deveria odiar você e não à mim por ter sido violada. É perturbador escrever que finalmente eu consigo me perdoar pelas suas atitudes, mas é exatamente isso: eu me perdôo pelos seus abusos, pelas suas violências, por ter me feito perder tanto e quase ter me perdido de mim, perdido a minha vida.
Hoje, livre de você, eu me amo tanto, um amor que eu nunca senti por mim, que eu não consigo nem te desejar o mal que você merece.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Abusivo

Eu odeio quando você fala comigo.
E odeio não conseguir te dizer o quanto eu odeio.
Eu tenho nojo do meu corpo quando lembro que ele já encostou no seu, que já foi motivo do seu prazer.
Eu odeio o amor quando lembro que te amei.
Eu odeio ter abaixado a cabeça pras suas imposições, odeio ter seguido suas regras.
Odeio ainda ter medo de você.
Odeio o nó na minha garganta quando penso na possibilidade de você aparecer na minha casa me cobrando algo.
Odeio ter cedido à sua última chantagem.
Tenho raiva de mim por tê-las percebido tão tardiamente.
Odeio que você tenha me silenciado, calado minha autoestima, minha autonomia.
Eu odeio o rastro que você deixou em mim e a minha vontade de morrer por isso.
Odeio meu sangue por ter entrado em contato com o seu, odeio tanto que desejo por vezes me cortar inteira, me livrar do meu sangue impuro, dos resquícios de você em mim.
Eu odeio não conseguir te denunciar, não conseguir fazer um escândalo, que você tanto merece nesse momento.
Eu te odeio, odeio, odeio, odeio, odeio, odeio, odeio, odeio (...)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Análise

"Tem gente nascendo, engravidando, pegando doença, se curando, indo viajar, se apaixonando, se matando, morrendo, terminando relacionamento nesse momento que você ta aqui conversando comigo. Tudo tem um ciclo, as coisas tem um fim, precisam ter um fim. As relações principalmente.
Quem ta há muito tempo junto, pode saber que uma das partes cedeu muito.

Eu me formei na década de 80, sou monogâmica, hétero, sóbria e to mais nova que você. To te achando meio careta".

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Aquele momento da vida em que você sabe que demonstra e percebe afeto através do toque, porém está com fobia de toque há meses.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Amor livre eu te digo que o problema será beijar alguém e não ter que contar é livre, mas solitário.

sábado, 16 de janeiro de 2016

To me achando tão maravilhosa que to até achando perigoso

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Re-delimitando o próprio corpo

"Você continua buscando estupros".

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Quando você deixa alguém entrar em você tem que se preparar pra remendar os buracos deixados em você quando ela sai.

Ou sobre como passar o ano novo com meu primeiro namorado e a atual namorada dele resignificou minha vida.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Ou sobre como dormir com outra pessoa pela primeira vez abriu um buraco no meu peito.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Feliz ano novo

Mãe, sei que você ainda não entendeu o motivo pelo qual eu resolvi passar meu pré-aniversário e o aniversário longe de você. Talvez por estar sem cabeça, talvez por falta de explicação. Eu poderia te contar que enquanto te escrevo estou deitada na barraca na beira de um rio ouvindo o barulho que ele faz em uníssono com a mata, você sabe como eu sou capaz de trocar o mundo por um lugar desses. Mas a verdade é que eu escolhi ficar sozinha, conversando o mínimo que posso até com as pessoas que eu encontro pra aprender a me suportar. Desde que eu fiz 20 anos e descobri a síndrome do pânico eu to sempre cheia de gente à minha volta. Sim, eu, a criança que amava ficar trancada no quarto acompanhada dos seus amigos imaginários e brinquedos, perdi a capacidade de estar só. Quase todos os dias eu lembro de quando eu voltei pra casa quando fiquei doente. Do quanto eu parecia um cãozinho abandonado encolhido no banco de trás sem conseguir conversar de tanta vergonha e de tanto medo. Lembro de, já na sua casa, você me pedir pra comprar um refrigerante pro almoço na lanchonete que fazia parte do nosso prédio, eu só tinha que descer uma escada e abrir um portão sozinha e simplesmente não conseguia. Passei 6 anos da minha vida assim: com medo. Ano passado eu descobri que meu maior medo é o que eu tenho de mim, do que sou capaz de fazer quando o pânico toma meu corpo e minha mente, de como eu, a rainha do controle, não consigo controlar meu corpo ou meus atos. Eu fiquei pra lá e pra cá feito bola de pingue pongue por pavor de mim mesma. No final do ano passado eu me vi realmente sozinha pela primeira vez na vida. Não que você não estivesse lá pra mim ou que mil pessoas que me amam tenham deixado de me apoiar, foi algo interno, um fracasso substancial, um cansaço súbito. Eu não tinha mais referência de nada, tampouco uma casa pra onde eu quisesse/pudesse voltar. Eu ficava lembrando do que os psiquiatras que você me levava quando eu adoeci diziam "quem tem síndrome do pânico precisa de estabilidade, precisa ter segurança" e do quanto você moveu mundos e fundos pra isso sempre. E então eu me vi sem estabilidade, sem segurança, sem referência, sem nada em que eu pudesse segurar além de mim. No fundo do poço, mãe, só tinha eu. E, como você me diz sempre, tem coisas que só eu posso fazer por mim. Então eu fiz. Estar aqui hoje é uma dessas coisas que só eu posso fazer por mim. Eu to emotiva e fragilizada como fico em todo aniversário desde 1998 e, ao invés de correr pra colos outros, eu corri pro meu. De onde de escrevo só tem o rio, a mata, meus livros e eu. Não tem pra onde fugir, entende? Já acabaram os ônibus que poderiam me levar de volta pra casa caso eu passe mal. Não tem absolutamente ninguém que eu conheça aqui. Eu não sei andar por essa cidade  (não sei nem aonde vende água). O celular não pega. Não tem luz. Em quatro horas o dia vira e eu faço 26 anos. Mãe, eu estou serena. Eu estou única e exclusivamente comigo e não tenho medo pela primeira vez em 72 meses. Meu coração acelera o tempo todo, claro que não se vence uma taquicardia de uma hora pra outra, tampouco se faz sumir uma sensação de sufocamento assim tão fácil, mas então eu respiro, coloco a mão no peito, olho pra mim mesma de olhos fechado e sei que vai passar. Mãe, não sei se é cedo pra dizer (se for, depois eu des-digo): eu estou curada.